O arroz irrigado é produzido em dezesseis estados de todas as regiões do Brasil, portanto, sob condições climáticas muito distintas. Entretanto, de acordo com os dados do IBGE, para a safra 2000/2001, cerca de 90% dessa produção é oriunda da região Sul e, principalmente, dos estados do Rio Grande do Sul (RS) (77,1%) e Santa Catarina (SC) (12,8%).
Apesar dos altos índices médios de produtividade, em geral superiores a 5 t.ha-1 no RS, atingindo valores em torno de 7 t.ha-1, em SC, em alguns anos ocorrem reduções acentuadas devido, fundamentalmente, às condições climáticas. Em condições normais de irrigação e de manejo da cultura, a ocorrência de temperaturas extremas e, em particular as baixas temperaturas ("frio"), e a disponibilidade de radiação solar, durante as fases críticas da planta, são dois elementos climáticos que estão intimamente relacionados com os decréscimos de produtividade.
Neste tópico, além de caracterizar os principais elementos climáticos que afetam a produtividade da cultura, será analisada a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña e o uso do zoneamento agroclimático nos estados do RS e SC.
Temperatura
A temperatura é um dos elementos climáticos de maior importância para o crescimento, o desenvolvimento e a produtividade da cultura do arroz. Assim, cada fase fenológica tem as suas temperaturas críticas ótima, mínima e máxima (Tabela 1).
A temperatura ótima para o desenvolvimento do arroz situa-se entre 20 e 35C, sendo esta faixa a ideal para a germinação, de 30 a 33C para a floração e de 20 a 25C para a maturação (Tabela 1). O arroz não tolera temperaturas excessivamente baixas nem excessivamente altas. Entretanto, a sensibilidade da cultura varia, tanto para uma como para a outra, em função da fase fenológica.
A planta é mais sensível às baixas temperaturas na fase de pré-floração ou, mais especificamente, na microsporogênese. A segunda fase mais sensível é a floração. A faixa crítica de temperatura para induzir esterilidade no arroz é de 15 a 17C, para os genótipos tolerantes ao frio, e de 17C a 19C para os mais sensíveis. Os genótipos respondem diferentemente em relação à tolerância ao frio, sendo que, em geral, as cultivares do grupo Japonica são mais tolerantes do que as do grupo Indica.
Dentre as regiões produtoras do Brasil, o estado do RS é, seguramente, onde a ocorrência de baixas temperaturas exerce a maior influência na produtividade da cultura, particularmente no Litoral Sul e na Campanha, podendo causar decréscimos superiores a 25% e, em algumas situações, até 50%. A sua influência mais marcante ocorre na germinação, na emergência das plântulas e, principalmente, durante a fase reprodutiva.
Estudos de probabilidade de ocorrência de temperaturas prejudiciais na fase reprodutiva do arroz no RS mostram que os períodos de menor risco ocorrem durante os meses de janeiro e fevereiro e no primeiro decêndio de março, mas que há diferenças acentuadas entre as regiões produtoras. Por outro lado, os riscos são mais elevados durante o mês de dezembro e no segundo e terceiro decêndios de março. Dentre as principais recomendações da pesquisa para amenizar o problema do frio estão:
a) não semear antes da temperatura média diária do solo, a 5cm de profundidade, atingir em torno de 20ºC;
b) usar cultivares mais tolerantes, principalmente nas regiões mais problemáticas;
c) efetuar a semeadura de modo que as fases críticas da planta coincidam com os períodos de menor probabilidade de ocorrência do frio;
d) elevar o nível de água na lavoura para 20 a 25cm, por aproximadamente 15 dias, durante a fase mais sensível às baixas temperaturas. Essa prática, que é também conhecida por "afogamento" é recomendada pelo efeito termorregulador da água que, se estagnada, pode atingir até 6ºC a mais que a temperatura ambiente, durante a noite, e de 1 a 2ºC durante o dia.
A ocorrência de altas temperaturas diurnas (superiores a 35°C) também pode causar esterilidade das espiguetas. A fase mais sensível do arroz a altas temperaturas é a floração. A segunda fase de maior sensibilidade é a pré-floração ou, mais especificamente, cerca de nove dias antes da emissão das panículas. Da mesma forma que para temperaturas baixas, há grandes diferenças entre genótipos quanto à tolerância a temperaturas altas.
Radiação Solar
A radiação solar de onda curta [(0,3 a 3 micra (m)], que atinge a superfície da terra, é conhecida como radiação global. No processo de fotossíntese, as plantas utilizam apenas uma fração da radiação global incidente, no comprimento de onda entre 0,4 e 0,7m, denominada de radiação fotossinteticamente ativa (RFA). A RFA pode ser considerada como sendo de aproximadamente 50% da radiação global incidente.
A exigência de radiação solar pela cultura do arroz varia de uma fase fenológica para a outra. Durante a fase vegetativa, ela tem relativamente pouca influência sobre a produtividade e os seus componentes. Entretanto, a produtividade é fortemente influenciada pela radiação solar durante as fases reprodutiva e de maturação. Vários estudos mostram que, nessas fases, há uma relação linear positiva entre essa variável e a produção de grãos. Em termos práticos, esse período ocorre entre três semanas antes a três semanas após o início da floração.
Os fatores previamente citados são os que mais afetam a produtividade do arroz irrigado. Entretanto, existem outros que também podem causar danos consideráveis, dependendo da sua intensidade, da época de ocorrência e da área de abrangência. Dentre esses, destacam-se o granizo, os vendavais, as chuvas excessivas e as estiagens prolongadas.
As chuvas excessivas podem afetar a implantação e a colheita das lavouras, bem como causar prejuízos devido a inundação das mesmas. As estiagens prolongadas podem afetar a implantação das lavouras e o suprimento de água para a irrigação.
Da mesma forma, existem alguns fatores tais como umidade relativa do ar, nebulosidade, orvalho, temperatura e o vento que afetam indiretamente a cultura, devido a sua influência na ocorrência e disseminação de doenças e pragas.
Origem e freqüência de ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña
O El Niño-Oscilação Sul (ENOS) é um fenômeno de grande escala, cuja região de origem é situada no Oceano Pacífico Tropical. Ele é formado por dois componentes: um de natureza oceânica (El Niño), associado a mudanças na temperatura das águas e outro de natureza atmosférica (Oscilação Sul), relacionado à correlação inversa existente entre a pressão atmosférica nos extremos leste e oeste desse Oceano. Destacam-se as anomalias climáticas extremas relacionadas com as fases quente (El Niño) e fria (La Niña). O ENOS é a principal fonte conhecida de variabilidade climática, trazendo conseqüências para diversas regiões do globo. No Brasil, as regiões mais afetadas são a parte norte da Região Norte e o leste da Amazônia (na faixa tropical) e a Região Sul (na faixa extra-tropical). A região sul é caracterizada por excesso de chuvas em anos de El Niño e estiagem em anos de La Niña.
Impacto dos fenômenos El Niño e La Niña na produtividade do arroz irrigado
No RS, os eventos El Niño são desfavoráveis para a cultura do arroz irrigado em 53% dos casos. Isso é causado pelo excesso de chuvas, principalmente nos meses de primavera, que contribui para o atraso da semeadura e, em alguns casos, provocam perda de lavouras devido a enchentes.
Os eventos La Niña são favoráveis à cultura do arroz irrigado em 60% dos casos. Esses resultados são explicados, em parte, pela redução das chuvas, principalmente nos meses de primavera, que favorece a semeadura e o desenvolvimento da cultura, bem como a eficiência da adubação nitrogenada de cobertura. Os anos neutros, em 62% dos casos, são benéficos para o arroz irrigado.
Medidas para minimizar o impacto do El Niño no arroz irrigado.
No RS, apesar do El Niño afetar diferentemente as regiões produtoras de arroz e causar danos variáveis de acordo com a sua intensidade, uma série de medidas podem ser tomadas visando diminuir o impacto negativo, tais como:
a) manter desobstruídas valas de drenagem, bueiros e vertedouros de açudes;
b) supervisionar terraços e canais de escoamento para evitar pontos de ruptura;
c) preparar com antecedência toda a estrutura necessária para a semeadura (máquinas, equipamentos, insumos...), pois, o excesso de chuva pode diminuir o número de dias viáveis para efetuar a semeadura dentro do período preferencial, recomendado pelo Zoneamento Agrícola;
d) dar preferência para os sistemas de cultivo em que a semeadura seja menos afetada pela chuva tais como a semeadura direta, o pré-germinado e o transplante de mudas;
e) evitar a semeadura em áreas sujeitas a inundações;
f) preferir cultivares de ciclo precoce, particularmente para as semeaduras de final do período recomendado, visando escapar do frio nas fases críticas da planta (pré-floração e floração);
g) dar especial atenção ao controle de doenças, em particular a brusone, pois, dias chuvosos ou encobertos a favorecem;
h) lembrar que a possível baixa luminosidade não dará resposta a altas doses de adubação nitrogenada;
i) preparar as colheitadeiras com antecedência de modo que a colheita seja feita no menor tempo possível;
j) efetuar o seguro agrícola.
Medidas para minimizar o impacto do El Niño no arroz irrigado.
a) evitar o esvaziamento dos açudes, pois a quantidade de chuva pode não ser suficiente para enchê-los novamente;
b) dimensionar a área a ser semeada de acordo com a disponibilidade de água;
c) racionalizar o uso da água. Manejar a água com o mínimo de circulação entre os quadros, evitando o desperdício;
d) dar preferência aos sistemas de semeadura direta, cultivo mínimo, pré-germinado e mix, ao sistema convencional;
e) no sistema convencional, evitar semeaduras superficiais;
f) evitar banhos, principalmente nos sistemas de semeadura direta e cultivo mínimo, pois essa prática favorece a ocorrência de invasoras.
g) observar, com cautela, a aplicação de herbicidas em relação ao teor de umidade do solo, para maior eficiência dos mesmos;
h) observar as épocas de semeadura recomendadas pelo Zoneamento Agrícola;
i) começar a semear no início do período recomendado pelo Zoneamento Agrícola, de modo que as fases críticas da planta à radiação solar coincidam com períodos de maior disponibilidade de energia solar, normalmente verificados em anos de La Niña;
j) escalonar as épocas de semeadura, utilizando cultivares de ciclos diferentes;
k) semear primeiro as cultivares de ciclo médio e depois as de ciclo curto;
l) efetuar o seguro agrícola.
É importante que os produtores de arroz irrigado considerem os prognósticos de ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña no planejamento das suas lavouras e utilizem as recomendações previamente citadas. Deve-se relembrar que no período de 1900 a 2002, ou seja, nos últimos 103 anos, ocorreram 30 eventos "El Niño" e 21 eventos "La Niña".
Portanto, esses fenômenos ocorreram em aproximadamente 50% dos anos e vão continuar ocorrendo no futuro. Isso recomenda que os produtores devem aprender a conviver com esses fenômenos, aproveitando o que eles tem de bom e procurando minimizar os seus impactos negativos. Prognósticos sobre os fenômenos El Niño e La Niña podem ser obtidos, dentre outras, nas seguintes páginas:
b) www.inmet.gov.br;
O Zoneamento Agroclimático é uma ferramenta de grande utilidade para o planejamento da lavoura de arroz irrigado, pois ele permite minimizar o impacto negativo do clima e, ao mesmo tempo, explorar as suas potencialidades nas distintas regiões de cultivo. O Zoneamento Agroclimático do arroz irrigado e de outras culturas passou a ser utilizado como instrumento de política agrícola a partir de 1995 com a implantação do Projeto de Redução de Riscos Climáticos na Agricultura, que originou o Zoneamento Agrícola do Brasil, coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA). No Zoneamento Agrícola, além de definir as regiões mais apropriadas, em termos de clima e solo, são estabelecidos períodos de semeadura em que o risco climático é menor, em nível de município.
No RS, os períodos favoráveis de semeadura variam em função das regiões e sub-regiões e do ciclo das cultivares. Foram estabelecidos oito grandes grupos de períodos de semeadura, sendo quatro para cultivares de ciclo médio (M) e quatro para cultivares de ciclo precoce (P). Para as cultivares de ciclo médio, o período de semeadura pode estender-se de 21 de setembro a 20 de novembro, nas regiões mais quentes (Fronteira Oeste e Alto Vale do Uruguai), e de 21 de outubro a 20 de novembro nas regiões mais frias (Serra do Nordeste e Planalto Superior). Para as cultivares de ciclo precoce, para essas mesmas regiões, esse período varia, respectivamente, de 11 de outubro a 10 de dezembro e de 1º a 30 de novembro. Baseado nessas informações, foram estabelecidos os períodos de semeadura para todos os municípios enquadrados nas regiões "Preferencial" e "Tolerada" pelo zoneamento climático. Maiores detalhes podem ser obtidos na internet, nos seguintes endereços: www.agricultura.gov.br ewww.cpact.embrapa.br
O Zoneamento Agroclimático de SC mostra que as regiões recomendadas para o cultivo de arroz restringem-se à faixa litorânea e o Vale do Rio Itajaí. Dentro dessa área, é possível identificar cinco regiões distintas: Baixo e Médio Vale do Itajaí e Litoral Norte (1); Litoral Centro (2); Litoral Sul e Região Sul (3); Médio Vale do Itajaí (4) e Alto Vale do Itajaí (5). A região do Baixo e Médio Vale do Itajaí e Litoral Norte
presenta maior amplitude no período recomendado para todos os ciclos de cultivo estudados, iniciando em 11 de agosto e estendendo-se até 10 de janeiro.
A região Litoral Sul e Região Sul apresenta um período recomendado menos amplo que a região Baixo e Médio Vale do Itajaí e Litoral Norte, variando de 1º de setembro a 20 de dezembro, ou seja, o início da época recomendada se dará somente 20 dias depois e terminará 20 dias antes. Já na região do Alto Vale do Itajaí o período recomendado vai de 11 de outubro a 10 dezembro, com uma amplitude de apenas 60 dias. A menor amplitude dessa região em relação às demais deve-se à sua maior altitude, o que implica em incidência de frio nas fases críticas da cultura. Maiores informações sobre o zoneamento agrícola do arroz irrigado em Santa Catarina encontram-se na página: www.agricultura.gov.br
Para atender aos critérios estabelecidos pelo Zoneamento Agrícola, as épocas de semeadura no RS e em SC foram espaçadas de 10 em 10 dias.
Tabela 1. Temperaturas críticas mínima, máxima e ótima para o crescimento e o desenvolvimento do arroz. | |||
Fases de Desenvolvimento
|
Temperatura crítica ( ºC ) 1
| ||
Mínima
|
Máxima
|
Ótima
| |
Germinação |
10
|
45
|
20-35
|
Emergência e estabelecimento da plântula |
12-13
|
35
|
25-30
|
Desenvolvimento da raiz |
16
|
35
|
25-28
|
Alongamento da folha |
7-12
|
45
|
31
|
Perfilhamento |
9-16
|
33
|
25-31
|
Iniciação do primórdio floral |
15
|
35
|
25-30
|
Emergência da panícula |
15-20
|
38
|
25-28
|
Antese |
22
|
35
|
30-33
|
Maturação |
12-18
|
30
|
20-25
|
Fonte: Yoshida, 1981 | |||
1 - Refere-se à temperatura média diária, com excessão para germinação |
Tabela 4. Períodos favoráveis de semeadura para cultivares de arroz irrigado, de ciclos precoce, médio e tardio no Estado de Santa Catarina. | |||||
Regiões
|
Períodos Favoráveis de Semeadura
| ||||
Ciclo Precoce
|
Ciclo Médio
|
Ciclo Tardio
| |||
1 - Baixo e Médio Vale do Itajaí e Litoral Norte |
21 de agosto a
10 de janeiro |
11 de agosto a
20 de dezembro |
11 de agosto a
10 de dezembro | ||
2 - Litoral Centro |
11 de setembro a
31 de dezembro |
01 de setembro a
10 de dezembro |
21 de agosto a
30 de novembro | ||
3 - Litoral Sul |
21 de setembro a
20 de dezembro |
11 de setembro a
10 de dezembro |
01 de setembro a
20 de novembro | ||
4 - Médio Vale do Itajaí |
21 de setembro a
10 de dezembro |
21 de setembro a
30 de novembro |
21 de setembro a
20 de novembro | ||
5 - Alto Vale do Itajaí |
11 de outubro a
10 de dezembro |
11 de outubro a
30 de novembro |
11 de outubro a
20 de novembro |
FONTE: EMBRAPA
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