quarta-feira, 21 de abril de 2021

Conversão Café Tradicional para o Orgânico

 

Conversão

Antes de decidir-se pela conversão, o cafeicultor deve conscientizar-se a respeito dos princípios e normas técnicas da agricultura (cafeicultura) orgânica e das implicações práticas em termos de manejo da cultura, adaptações necessárias na unidade produtiva, relações com os empregados e formas de comercialização da colheita. O conhecimento sobre o assunto evitará procedimentos incorretos que poderiam resultar em insucesso.

No Brasil, os resultados de pesquisa sobre conversão de sistemas convencionais em orgânicos são praticamente desconhecidos. Entretanto, alguns aspectos baseados nos princípios e normas da agricultura orgânica e na vivência de extensionistas, pesquisadores e produtores, podem servir de orientação inicial para aqueles que desejam fazer essa conversão. Torna-se importante frisar a necessidade de o cafeicultor entender a filosofia do movimento, respeitando-a em qualquer circunstância.

De acordo com as normas da International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM Guidelines, 2092/91 - OIC, 1997), a conversão deve obedecer a um planejamento anual. O interessado deve elaborar um projeto de conversão, que deverá ser previamente apresentado ao órgão certificador, ou ao inspetor, por ocasião da primeira visita. A caracterização da unidade como orgânica dependerá do cumprimento desse plano. Um contrato deve ser firmado entre o cafeicultor ou organização produtora e o órgão certificador.

A documentação do estabelecimento rural, contendo dados gerais, mapa e uma lista das áreas de plantio, devem ser colocadas à disposição. Os livros-caixa devem conter registros dos insumos, da produtividade e do fluxo dos produtos, incluindo as etapas de no processamento, armazenamento, embalamento e venda. Uma lista detalhada dos insumos agrícolas empregados também deve disponibilizada para aprovação.

No início da conversão, aspectos sociais, como condições de moradia, alimentação e higiene, serão inventariados e um plano de melhoria, se for o caso, deve ser submetido. Na implementação desse plano será observado um cronograma de execução. Amostras (solo, água, plantas, produtos colhidos, etc.) podem ser colhidas pelo órgão certificador, a qualquer momento, para análise de resíduos.

A transição corresponderá ao tempo transcorrido desde data da última aplicação de insumos não permitidos em uma área agrícola até o recebimento do selo orgânico.

Esse período dependerá da extensão da unidade produtiva, das condições ambientais da mesma, especialmente das condições do solo, e do nível tecnológico adotado pelo cafeicultor. Em unidades onde as lavouras são manejadas com uso mínimo de insumos externos, 18 meses serão suficientes para cumprimento dos requisitos. Por outro lado, unidades produtivas altamente tecnificadas ou semitecnificadas necessitarão um período mínimo de três anos para a transição, tempo previsto para que os resíduos de agrotóxicos sejam degradados no solo (Anacafé, 1999).

A conversão deve ser feita por etapas, substituindo os fertilizantes químicos pelos orgânicos. Aconselha-se dividir a unidade de produção em talhões uniformes quanto ao ambiente (solo, topografia, exposição solar, etc). A partir daí, o cafeicultor deve trabalhar para converter anualmente, 20 a 25% da área total (Ricci et al., 2002ac).

Na Tabela 1, abaixo é fornecido um exemplo em que a área produtiva foi dividida em cinco talhões, cada qual correspondendo a cerca de 20% da área total a ser convertida.

Normalmente, o cafeicultor faz três aplicações de fertilizantes em cobertura por ano, utilizando formulações NPK que deverão ser gradualmente substituídas. Assim, no primeiro ano, um dos talhões receberá apenas duas coberturas com o adubo químico, sendo a terceira substituída pelo adubo orgânico, na quantidade equivalente em termos de nutrientes. No ano seguinte, esse procedimento deve ser repetido no segundo talhão e, assim, sucessivamente. No segundo ano de conversão, o primeiro talhão receberá uma cobertura com adubo químico e duas coberturas com adubo orgânico e no terceiro ano, as três coberturas serão orgânicas. O mesmo talhão, no quinto ano de conversão seguindo esse modelo, poderá receber o certificado de orgânico, caso todos os outros requisitos tenham sido também atendidos.

O uso de agrotóxicos deve ser suspenso de imediato, substituindo-os por pulverizações foliares, de caráter preventivo, utilizando-se caldas permitidas (bordalesa, sulfocálcica, etc) e biofertilizantes, respeitando, no entanto, o limite de uso desses produtos (número de tratamentos e concentrações) e observando os cuidados na sua manipulação. O ideal é que o cafeicultor obedeça a um cronograma elaborado junto com um técnico extensionista.

A divisão em talhões facilita a reestruturação da unidade de produção e o planejamento das ações, especialmente quanto à necessidade de mão-de-obra e de insumos orgânicos. Não é aconselhável a conversão completa no primeiro ano, substituindo de uma só vez todo o fertilizante químico pelo orgânico que poderia acarretar um estresse nutricional, predispondo a planta um ataque mais severo de pragas e doenças.

Convém salientar que, a partir do início da conversão, no plantio de novas áreas, o produtor deverá optar por cultivares resistentes à ferrugem, visto que esta é a principal doença da cultura no Brasil. A simples substituição de insumos químicos pelos orgânicos não é suficiente, em termos de conversão, mas representa um começo.

Paralelo a isto, o cafeicultor deve buscar alternativas para melhorar toda a paisagem da unidade de produção, concebendo-a como um “organismo”.

Tabela 1 - Exemplo de um cronograma de substituição de fertilizantes, envolvendo diferentes talhões de uma unidade produtiva em conversão para orgânica



Convencional = três coberturas da formulação química usual; Certificada = Certificação orgânica. Fonte: Ricci et al., 2002 




segunda-feira, 12 de abril de 2021

Café Orgânico: Fundamentos da agricultura orgânica

 

Fundamentos da agricultura orgânica

Agricultura orgânica é o sistema de manejo sustentável da unidade de produção com enfoque sistêmico que privilegia a preservação ambiental, a agrobiodiversidade, os ciclos biogeoquímicos e a qualidade de vida humana.

A agricultura orgânica aplica os conhecimentos da ecologia no manejo da unidade de produção, baseada numa visão holística da unidade de produção. Isto significa que o todo é mais do que os diferentes elementos que o compõem. Na agricultura orgânica, a unidade de produção é tratada como um organismo integrado com a flora e a fauna.

Portanto, é muito mais do que uma troca de insumos químicos por insumos orgânicos/biológicos/ecológicos. Assim o manejo orgânico privilegia o uso eficiente dos recursos naturais não renováveis, aliado ao melhor aproveitamento dos recursos naturais renováveis e dos processos biológicos, a manutenção da biodiversidade, a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico, bem como, a qualidade de vida humana.

A agricultura orgânica fundamenta-se em princípios agroecológicos e de conservação de recursos naturais. O primeiro e principal deles, é o do respeito à natureza. O agricultor deve ter em mente que a dependência de recursos não renováveis e as próprias limitações da natureza devem ser reconhecidas, sendo a ciclagem de resíduos orgânicos de grande importância no processo. O segundo princípio é o da diversificação de culturas que propicia uma maior abundância e diversidade de inimigos naturais. Estes tendem a ser polífagos e se beneficiarem da existência de maior número de hospedeiros e presas alternativas em ambientes heterogêneos (Risch et al., 1983; Liebman, 1996). A diversificação espacial, por sua vez, permite estabelecer barreiras físicas que dificultam a migração de insetos e alteram seus mecanismos de orientação, como no caso de espécies vegetais aromáticas e de porte elevado (Venegas, 1996). A biodiversidade é, por conseguinte, um elemento-chave da tão desejada sustentabilidade. Outro princípio básico muito importante da agricultura orgânica é o de que o solo é um organismo vivo. Desse modo o manejo do solo privilegia práticas que garantam um fornecimento constante de matéria orgânica, através do uso de adubos verdes, cobertura morta e aplicação de composto orgânico que são práticas indispensáveis para estimular os componentes vivos e favorecer os processos biológicos fundamentais para a construção da fertilidade do solo no sentido mais amplo. O quarto e último princípio é o da independência dos sistemas de produção em relação a insumos agroindustriais altamente dependentes de energia fóssil que oneram a produção e comprometem a sustentabilidade.

Na agricultura orgânica os processos biológicos substituem os insumos tecnológicos. Por exemplo, as práticas monoculturais apoiadas no uso intensivo de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos da agricultura convencional são substituídas na agricultura orgânica pela rotação de culturas diversificação, uso de bordaduras, consórciosentre outras práticas. A baixa diversidade dos sistemas agrícolas convencionais os torna biologicamente instáveis, sendo o que fundamenta ecologicamente o surgimento de pragas e agentes de doenças, em nível de danos econômicos (USDA, 1984; Montecinos, 1996; Pérez & Pozo, 1996). O controle de pragas e agentes de doenças e mesmo das plantas invasoras que na agricultura orgânica são denominadas plantas espontâneas é fundamentalmente preventivo.

 

Café arábica cultivado organicamente associado à bananeiras, na Estação Experimental da Embrapa



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quarta-feira, 17 de março de 2021

Cultivo do Café Orgânico

 

Apresentação

O documento Sistemas de Produção "Cultivo do Café Orgânico" é uma contribuição de pesquisadores da Embrapa Agrobiologia em parceria com pesquisadores de outras Instituições, produtores e representantes de associação de cafeicultores orgânicos que procuraram abordar no documento os diferentes aspectos de manejo e tratos culturais que a cultura de café requer quando plantada sob sistema orgânico de produção. O documento aborda os fundamentos da Agricultura orgânica e a conversão de sistema convencional para orgânico, além da escolha das variedades e do preparo e manejo de mudas de café. Outros pontos de destaque do documento referem-se a adubação, manejo de pragas e doenças com produtos alternativos de modo a preservar o ambiente. Além disso, discute os cuidados necessários na colheita e processamento dos grãos, incluindo os aspectos da certificação e da comercialização do produto. O documento inclui anexos com informações detalhadas sobre as diferentes formulações de biofertilizantes e caldas usadas na cultura, especificações sobre modelos de solarizador, lavador e secador de café. Um glossário com os termos mais usados no documento foi incluído com o objetivo de esclarecer aos leitores sobre alguns conceitos e práticas usados no sistema orgânico de café.

O cultivo de café orgânico segue regras próprias do sistema orgânico de produção cujo mercado interno e externo vem se expandindo muito rapidamente. Abre-se assim novas perspectivas na economia rural brasileira principalmente para os pequenos produtores. Espera-se que o documento contribua para a divulgação do cultivo do café orgânico no país e também atenda a demanda de estudantes, produtores e pesquisadores que atuam na área de agricultura orgânica e agroecologia.


Introdução

É crescente a preocupação da sociedade com a saúde, a qualidade de vida e do meio ambiente, levando os consumidores a valorizarem a adoção de métodos de produção agrícolas que garantam a qualidade dos produtos e que sejam menos agressivos ao meio ambiente e socialmente justos com os trabalhadores rurais. É neste contexto que a agricultura orgânica surge como alternativa para produção agrícola mais sustentável, ambientalmente equilibrada e socialmente justa.

A demanda por produtos orgânicos aumenta no mundo todo e gera oportunidades de mercado em diversas regiões do mundo. Cria oportunidades, principalmente para pequenos e médios produtores, incluindo comunidades de agricultores familiares e vários outros componentes da cadeia produtiva, o que pode auxiliar o desenvolvimento de áreas rurais próximas aos grandes centros urbanos e a corredores de exportação (Neves et al. 2004a).

Desde sua descoberta, o café desempenha importante papel na economia de países produtores e de países processadores, comerciantes e consumidores. É a segunda maior commodity em valor de mercado mundial, atrás apenas do petróleo (Caixeta e Pedini, 2002).

O Brasil é o maior produtor mundial há mais de 150 anos e o café teve grande influência na construção do país. Atualmente o agronegócio do café envolve direta e indiretamente, cerca de 10 milhões de pessoas em uma cadeia que vai do campo à xícara (Coelho, 2002).

Apesar da pequena porcentagem que representa em relação à cafeicultura brasileira, o café orgânico é uma atividade com enorme potencial de promover a preservação ambiental e valorização social e econômica de uma região e representa uma ótima oportunidade para fortalecer as organizações de pequenos produtores e reduzir as desigualdades sociais.



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Produtos e Coprodutos da Mamona


Óleo

O principal produto da mamona é o seu óleo não comestível que possui rendimento de 50% nas sementes (Figura 1) e de propriedades químicas e físicas distintas de outros óleos vegetais disponíveis na natureza. Na composição de seus triglicerídeos o ácido graxo ricinoleico é o de maior predominância com cerca de 90% para as cultivares comerciais. Esse ácido orgânico possui três grupos químicos funcionais que permitem inúmeras aplicações industriais para o óleo de mamona.

Foto: Everaldo Paulo de Medeiros

Figura 1. Sementes de mamona.

(A) BRS 149 Nordestina, (B) BRS Energia, (C) Paraguaçu.

Na literatura científica há um caso de genótipo mutante com teor de ácido ricinoleico de 14% (m/ m) e de ácido oleico de 78 % (m/ m) contrariando a composição que se espera do óleo de mamona em cultivares comerciais (ROJAS-BARROS et al., 2005). Nesse tipo de composição espera-se uma inversão de todas as propriedades físicas e químicas do óleo vegetal. Entre elas, redução da viscosidade e possibilidade de ser um óleo comestível com apelo tecnológico diferenciado em locais de baixa disponibilidade de outras culturas ou matérias primas. Entretanto, ainda é um desafio a ser superado observando questões técnicas e agronômicas, fatores econômicos, ambientais, sociais, dentre outros. 

No óleo, a presença de uma hidroxila (OH) na cadeia carbônica do ácido ricinoleico (C18:1,12-OH) (Figura 2) permite obter propriedades químicas reacionais, as quais são exploradas em uma grande variedade de produtos industriais, como para uso de resinas poliméricas destinadas a próteses médicas, revestimentos de cabos e fios condutores, adesivos, graxas, plastificantes, lubrificantes, petroquímica, cosméticos, fármacos, têxtil, entre outros.



Figura 2. Estrutura molecular do ácido ricinoleico: A – cadeia aberta e B – Cadeia com ponte de hidrogênio intramolecular.

Fonte: Adaptado de FEREIDOON, 2005.

Além das propriedades reacionais do ácido ricinoleico tornarem o óleo de mamona mais versátil quimicamente que outros óleos vegetais, no óleo de mamona as propriedades físicas também são influenciadas pela formação de pontes de hidrogênio intra e intermolecular pela existência da hidroxila como grupo funcional (Figura 2B). Assim, a viscosidade do óleo de mamona é maior de que qualquer outro óleo vegetal na natureza. Além disso, possui solubilidade em solventes de média polaridade como em alcoóis metílico e etílico, mas baixa solubilidade em água com formação de sistema bifásico.

A hidroxila na cadeia carbônica ainda permite inferir sobre outras propriedades como alto índice de hidroxila, alta massa específica ou densidade. O óleo tem maior facilidade de ser usado como suporte para pré-concentração de pigmentos ou corantes em cosméticos e plásticos, borrachas, óleo para sulfonação, fluidos para sistemas hidráulicos e formação de emulsões e nanoemulsões em sistemas polares.

O seu elevado valor estratégico é reconhecido pelo fato de não haver bons substitutos naturais ou sintéticos em muitas de suas aplicações e sua versatilidade industrial, diferenciando-se, desta forma, dos demais óleos vegetais. Além do grupo hidroxila, as propriedades físico-químicas do ácido ricinoleico estão associadas à carboxila terminal (COOH) e a insaturação do carbono 9 (C=C), os quais são grupos funcionais importantes com habilidades específicas de síntese e processamento industrial.

No mercado internacional, o óleo de mamona figura como o óleo vegetal de maior valor comercial de 1992 a 1997 (O`BRIEN et al., 2000). Em relação à produção de matéria-prima, os maiores produtores de óleo de mamona foram Índia, China e Brasil  (MUTLU; MEIER, 2010; SEVERINO et al., 2012). O Brasil teve sua participação reduzida, mas mantendo ainda a terceira posição entre os principais produtores. Porém, o que se observa no cenário mundial é a falta de oferta de óleo de mamona para atender a diversos setores da indústria. Alguns países produtores de matéria-prima, como a China, atualmente importam o óleo de mamona para suprir seu mercado interno. Isso perfaz um cenário de crescimento da cultura para os próximos anos na expectativa que haverá expansão e interesse por produtos oriundos de fontes renováveis com suporte para aplicações em química fina com alto valor de mercado.

O processo de extração do óleo de mamona envolve extração mecânica, com solvente, ou a combinação dos dois processos de forma sequencial. A escolha do processo dependerá da qualidade e rendimento requeridos do óleo e de seus coprodutos gerados. No entanto, algumas etapas iniciais são necessárias para a execução da extração. As etapas de extração são: de limpeza dos frutos ou grãos, descascamento (nem sempre requerido), moagem e laminação, cozimento (dependendo dos grãos e da qualidade do óleo final), prensagem e filtração do óleo bruto. Algumas empresas associam a extração por solventes à torta gerada na prensagem em decorrência do valor do óleo e do teor residual ainda presente na torta. Em geral, torta com teor de óleo acima de 10% é considerada torta gorda. Nesses casos, a extração por solvente pode ser necessária para aumentar o rendimento de óleo.

Na extração por solvente, em geral, usa-se hexano, que possui ponto de ebulição próximo a 700C.  Na extração do óleo de mamona, outros solventes mais disponíveis e de menor preço podem ser empregados. Assim, alcoóis etílico e metílico são boas opções para extração. O uso desses solventes deve ser observado com cuidado em virtude da maior solubilidade da ricina em solventes polares e baixa solubilidade em solventes apolares como hexano e éter de petróleo. Ao final do processo de extração por solvente se obtém o farelo com menos de 1% de óleo residual.

A extração por solvente poderá ser contínua ou semicontínua, seguida pela recuperação do solvente em sistema de destilação do solvente por aquecimento da micela óleo-solvente na faixa de 70°C a 90 °C. Antes da destilação pode ocorrer filtração e na destilação se emprega sistema de aquecimento a vácuo. A diferença entre o sistema contínuo e semicontínuo é que no primeiro se emprega um único extrator enquanto no segundo são usados extratores em série.


Coprodutos

A mamona é produzida, primariamente, para obtenção do seu óleo, rico no ácido graxo ricinoleico, empregado como matéria-prima para a síntese de diversos produtos (OGUNNIYI, 2006). Entretanto, por maior valor que tenha o óleo, não se pode pensar em um sistema agroindustrial no qual apenas o produto principal seja explorado comercialmente. Assim, deve-se agregar valor à cadeia produtiva por meio da inserção/valorização de todos os produtos empregáveis, acabando-se com a mentalidade de “resíduo” ou “subproduto”, substituída pela mentalidade de “coproduto”.

As cascas dos frutos de mamona são produzidas na fazenda, durante o descascamento. Estima-se que para se produzir 1 kg de óleo de mamona são geradas em média 1,31 kg de cascas, um coproduto de baixo valor agregado. Elas podem ser utilizadas como um volumoso para a nutrição de ruminantes, por não apresentarem substâncias tóxicas (SEVERINO et al., 2012).

A torta de mamona é o coproduto sólido gerado durante a extração mecânica do óleo. Se for realizada uma extração química, o material produzido passa a ser denominado farelo. Ambos são produzidos na usina, sendo a torta o material mais comum. Dependendo de vários fatores, como a cultivar, os tratos culturais e processamento das sementes, as tortas podem ter diferentes composições químicas (Tabela 1), mas elas sempre são um material extremamente rico em proteína e, por consequência, em nitrogênio.

Um dos usos mais intuitivos da torta de mamona é o seu emprego como fertilizante. Realmente, quando é utilizada como um adubo orgânico, verificam-se como vantagens o alto conteúdo de N, níveis razoáveis de P e K, alta taxa de mineralização e o seu efeito nematicida. A torta pode ser mineralizada aproximadamente de 7 vezes mais rápido que o esterco bovino e 15 vezes mais que o bagaço de cana. O efeito nematicida provoca a redução do número de ovos de nematoides, mata os adultos, e ainda tem efeito complementar com nematicidas sintéticos, como o carbofuran (MAKKAR, 2012; SEVERINO et al., 2012).

Em média, a torta de mamona possui 25% do peso em casca, e 75% de amêndoas, conforme apresentado nas Tabelas 2 e 3. Separando-se amêndoa e casca, pode-se obter uma torta mais clara que, uma vez extraído o óleo residual, pode dar origem ao farelo de mamona. Esse farelo pode ser empregado como ração animal, após devidamente detoxificado, ou usado para o preparo de isolados proteicos ou mesmo como fonte de aminoácidos (BOSE; WANDERLEY, 1988), ou como meio de cultura para cogumelos comestíveis ou fungos produtores de enzimas industriais, como celulases, fitases, tanases (MADEIRA JÚNIOR et al., 2011). No caso da produção de cogumelos comestíveis, um material de alto valor nutricional por suas concentrações de proteínas, carboidratos, vitaminas e minerais, ainda devem ser realizados estudos para verificar a sua total inocuidade alimentar (Esquema 1). Provavelmente, com essa detoxificação sendo bem feita, pode-se pensar no uso da torta de mamona até como alimento humano, prática já feita na Nigéria, na produção de um condimento denominado ogiri ou ogiri-igbo (OGUNNIYI, 2006). O uso dos isolados proteicos da torta de mamona, quando tratados com extratos enzimáticos, geram fragmentos de proteínas que podem ter interesse biológico ou industrial.

Em escala laboratorial ou piloto, a autoclavagem por 60 minutos da torta de mamona ou uso de óxido de cálcio (CaO) são capazes de detoxificar totalmente a torta (ANANDAN et al., 2005), visando o seu uso como ração animal. Para ração animal de ruminantes, a torta tem uma digestibilidade em torno de 61,9%, sem grande importância quanto ao teor de aminoácidos. Entretanto, para outros animais, como suínos e aves, o uso exclusivo da torta pode ser prejudicial, já que ela é relativamente deficiente em aminoácidos essenciais como lisina, triptofano e metionina (Tabela 4).

O uso de hidróxido de sódio, corretamente empregado, também detoxifica adequadamente a torta de mamona (FERNANDES, 2011). Em escala piloto ou industrial, em que agentes químicos sejam associados a um processo físico, o rendimento final da batelada é consideravelmente pequeno. Dessa forma, técnicas de processamento contínuo, como a extrusão termoplástica, são mais adequadas ao escalonamento industrial, sendo possível atingir, por exemplo, rendimentos de processo de 80 kg/h de ração mista de mamona e milho. Nesse exemplo, o milho entra apenas como fonte de amido, para facilitar o processamento da máquina. Também é possível detoxificar a torta de mamona para ração animal mediante inoculação fúngica, com indução da síntese de enzimas, como a tanase e a fitase (MADEIRA JÚNIOR et al., 2011).

Apesar de não ser uma toxina tão fatal quanto a ricina, a fração alergênica da torta de mamona, constituintes do conjunto de glicoproteínas CB-1A são um problema do ponto de vista ocupacional, já que estão presentes no pólen e sementes de mamona (SHARIEF; LI, 1982; SILVA JÚNIOR et al., 1996), com massa molecular entre 10kDa e 14 kDa. Como são materiais resistentes a alguns processos de desnaturação térmica e química, podem ser resistentes a alguns tratamentos de detoxificação, desencadeando alergia por contato e por inalação (MACHADO; SILVA, 1992; SILVA JÚNIOR et al., 1996). Alguns ensaios de avaliação da alergenicidade da torta de mamona envolvem o uso de anticorpos, com grande possibilidade de ter resultados falso-positivos, e com o uso de células imunológicas, com maior avaliação do potencial real das proteínas presentes para desencadeamento de crises de alergia.

Tão importante quanto um sistema eficiente de detoxificação, é o controle de qualidade desse sistema. Esse controle pode ser feito por métodos diretos, como a quantificação de ricina na torta, por cromatografia de exclusão molecular a baixa, média ou alta pressão, por eletroforese com coloração das proteínas com o azul de Coomassie e por bioensaios como cultura de células vero, por exemplo. Esses métodos possuem alta sensibilidade (Tabela 5) e especificidade, mas são caros, demorados e demandam pessoal qualificado. Também existem métodos mais simples, mais baratos e mais rápidos, que possuem um pouco menos de especificidade, mas mantêm a sensibilidade elevada, como medidas eletroanalíticas e espectroscópicas, bem como bioensaios com ovos de nematoides de pequenos ruminantes. Nesses casos, um resultado negativo pode ser considerado negativo, mas um positivo necessita ser confirmado por métodos diretos.

A torta de mamona é um coproduto da cadeia produtiva da mamona cujo elevado teor de proteínas pode torná-la apta a ser um substrato para nutrição adequada de plantas, animais e fungos, agregando valor a essa importante oleaginosa.


Tabela 1. Composição química da torta de mamona.

Macrocomponente

Participação percentual (%)

 

AKANDE; ODUNSI, 2012

MATOS JÚNIOR et al., 2011

DINIZ et al., 2011

Umidade

6,56

9,6

9,3

Proteína bruta

39,58

36,1

35,78

Fibra

2,47

22,6

9,43

Lipídeos

13,15

10,2

17,3

Minerais

5,87

8,1

8,34

Extrato de nitrogênio livre

32,37

13,4

-

Tabela 2. Composição centesimal das amêndoas e cascas de sementes de mamona.

Componente (%)

Mamona*

Amêndoa

Casca

Umidade

3,60

8,76

Óleo

66,02

0,98

Proteína

23,43

4,76

Cinzas

2,24

3,89

Fibra

0,70

48,69

Carboidratos

4,01

32,92

*Fonte: Viotto (1987).

Tabela 3. Composição mineral (%) de cascas de frutos de mamona das cultivares BRS Nordestina, BRS Energia e BRS Paraguaçu.

Minerais

BRS Nordestina

BRS Energia

BRS Paraguaçu

Cálcio

76,94

59,36

88,38

Potássio

14,28

18,56

5,62

Ferro

1,46

6,79

0,84

Outros

7,32

15,29

5,16

*Fonte: Nascimento (2012).

Tabela 4.  Composição de aminoácidos da proteína de torta de mamona.

Aminoácido

% de proteína

Aminoácido

% de proteína

Ácido aspártico

9,67

Isoleucina

4,68

Ácido glutâmico

18,87

Leucina

6,42

Alanina

4,26

Lisina

2,68

Arginina

8,61

Metionina

1,51

Cisteína

1,68

Prolina

3,74

Fenilalanina

4,02

Serina

5,44

Glicina

4,31

Tirosina

2,82

Hidroxiprolina

0,28

Treonina

3,44

Histidina

1,25

Triptofano

0,31

 

 

Valina

5,44

Fonte: Makkar (2012).

Tabela 5.  Resumo dos resultados possíveis em uma análise, de acordo sua sensibilidade e especificidade.

 

Amostra positiva

Amostra negativa

Resultado positivo

Análise correta (altas sensibilidade e espeficidade)

Falso positivo (alta sensibilidade, baixa especificidade)

Resultado negativo

Falso negativo (baixa sensibilidade)

Análise correta (altas sensibilidade e especificidade)

 



Esquema 1. Possíveis rotas fermentativas para a torta de mamona.


Extração do óleo

O processo de extração do óleo da semente é a continuidade da cadeia produtiva da mamona, que se realiza por um pequeno número de empresas com vistas a agregar valor a matéria-prima e, sobretudo disponibilizar o óleo para inúmeras aplicabilidades. A extração do óleo é realizada em uma usina constituída de vários mecanismos que, compõem o processo da extração e beneficiamento do óleo. A seguir, apresentam-se a descrição, as etapas e os segmentos para a construção de uma usina mecânica de extração de óleo de acordo com a Figura 1.

Figura 1. Etapas do fluxograma de uma usina de extração mecânica de óleo de mamona com capacidade de 15 a 20 t de sementes em 24 horas de trabalho.


Descrição dos itens do fluxograma

Transportador de corrente para 2 t/h de semente de mamona

Elevador de canecas com corrente para transportar 2t/hora de semente de mamona e altura entre bocas, de 3,5m

Peneira vibratória para limpeza da semente de mamona, capacidade 2 t/ hora

Mamoneira: dispositivo para separar o marinheiro da semente

 Transportador de corrente para 2 t/h de semente de mamona e comprimento de 3m

Elevador de canecas com corrente, para transportar 2t/hora de semente de mamona e altura entre bocas, de 3,5m

Moega para regularizar a alimentação da prensa, com 2m3 e transportador no fundo para remover a semente com velocidade a ser ajustada para a capacidade da prensa

Elevador de canecas com corrente para transportar 2t/hora de semente de mamona e altura entre bocas, de 3,5m

Cozinhador com vários estágios e prensa expeler

Transportador de corrente com tela para remoção do óleo e separação de impurezas

Tanque com volume de 0,1m3  para receber o óleo da prensa

Bomba de engrenagem para 1 t/hora

Dois tanques com volume de 5m3 para hidratação das gomas, isolados termicamente com agitador e injeção de vapor

Bomba centrífuga para 10m3 /hora e shutoff de 50 mca (shutoff: máxima pressão da bomba com vazão zero)

Tanque com volume de 5 m3  para receber o óleo filtrado e degomado

Filtro prensa com 20 placas de 630 x 630 mm

Tanque com volume de 0,1m3  para receber o óleo filtrado e degomado

Bomba centrífuga para 10m3 /hora e altura manométrica de 20mca

Bomba centrífuga para 10m3 /hora e altura manométrica de 20mca

Branqueador de diâmetro de 1,6m e altura cilíndrica de 2,3m, com sistema de vácuo para 50 mmhg, com agitador, aquecimento e isolação térmica

Bomba centrífuga para 10m3 /hora e shutoff  de 50 mca com selo mecânico de mínimo NPSH (mínima pressão para a bomba não cavitar)

Tanque com volume de 0,05 m3 para adição de material clarificante

Filtro prensa igual ao do item 16

Tanque igual ao do item 17

Bomba centrífuga para 10m3 /hora e altura manométrica de 30mca

Dois tanques depósitos com capacidade para 100m3  cada um

Bomba centrífuga para 25m3 /hora e altura manométrica de 30mca

Balança para pesagem de tambores de 200 litros

Elevador de canecas de corrente capacidade  de 1t/hora e altura entre bocas de 3,5m

Moinho de martelos para 1 t/hora de torta de mamona

Moega com volume de 3 m3 para alimentar o ensaque de farelo

Balança com capacidade para 100 kg para ensacar sacos de 50 kg

Funcionamento da usina

De forma resumida, o funcionamento ocorre da seguinte maneira: faz-se, de início, a limpeza da semente ou baga de mamona em peneira vibratória com vários decks, na qual são separados: pedras de tamanhos maiores que a baga; eventuais marinheiros (fruto contendo bagas); bagas; pedras de tamanho menor que a baga; partículas de baga; terra etc. A semente separada ainda deve passar por um separador de pedras para separar, sobretudo, aquelas que têm o mesmo tamanho da baga e, em seguida, por um separador de  objetos metálicos.

Deste separador, a baga é enviada para uma moega, com um dosador na sua descarga a fim de regularizar o fluxo de mamona, que vai para o cozinhador da prensa, onde é aquecida até a temperatura de 105°C com vapor de água indireto, seguindo daí para a prensa expeler, que fica sob o cozinhador.

Na prensa, dá-se a separação do óleo e formação da torta que sai com um teor de óleo entre 7% e 10%, denominada  torta gorda, a qual é misturada e moída junto com os resíduos que saem do filtro da degomagem e, também, do filtro do branqueamento.

O óleo extraído na prensa é denominado "óleo bruto" e contém impurezas que lhe dão um aspecto sujo. O produto comercial é o "óleo refinado" que precisa passar pelos processos de degomagem e clarificação.

O processo de degomagem inicia-se com a adição de água quente na proporção de 2% do volume, com a finalidade de hidratar e coagular as gomas (fosfatídeos). A seguir, o óleo é enviado para um tanque com agitação e aquecimento onde ocorre a coagulação das gomas, as quais são separadas por filtragem.

A seguir, o óleo segue para o tanque clarificador, também chamado branqueador, dotado de aquecimento e sistema de vácuo. Nessa fase, o óleo sob vácuo é aquecido a 105ºC e misturado à terra clarificante, permanecendo nessa condição por 30 a 40 minutos. Após esse período o óleo é novamente filtrado, encerrando o processo de refino.






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