quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Benefícios do uso de adubos verdes

 

Introdução

Com a intensificação da agricultura, duas praticas inadequadas passaram a ser utilizadas em grande parte dos agroecossistemas: o uso intensivo do solo e a ma gestão dos recursos naturais. Uma e outra tem contribuído para o agravamento dos processos de degradação dos recursos naturais, principalmente solo e agua, comprometendo, assim, severamente, a relacao solo-agua-planta-atmosfera, colocando em risco o equilibrio ambiental, impondo dificuldades nas relacoes de sobrevivência harmonica entre os seres vivos (tanto do reino vegetal quanto do animal) e pondo em risco a qualidade de vida das populacoes humanas (Sanchez et al., 1989).

O manejo inadequado dos residuos organicos e do solo diminui o acumulo de carbono (humus) no solo e, consequentemente, concorre para a perda de gases de efeito estufa para a atmosfera (Reicosky; Lindstrom, 1993; Reicosky et al., 1995).

A ocupação irracional das areas rurais e a urgência de produzir alimentos para uma população em crescimento constante, aliadas aos interesses econômicos de lucratividade no setor agrícola, também tem contribuído para o agravamento da degradação ambiental e para o aumento desses desequilíbrios. Essa dinamica tem provocado severas alteracoes nos atributos fisicos, quimicos e biologicos do solo que, somadas a aceleração da mineralização da materia orgânica (com consequente diminuição da fertilidade do solo), tem diminuído o potencial produtivo das regiões agroecológicas do Brasil e do resto do mundo. A essa situacao somam-se questões atinentes ao clima (como temperaturas extremas e ocorrencia de inundacoes ou secas prolongadas), ao ataque de pragas e a exposição a doenças, que tem causado serios riscos a segurança alimentar das populações.

Desde as mais antigas civilizacoes, como a dos romanos, gregos e chineses, o adubo verde já era usado com sucesso (Florentin et al., 2011). Os resultados empiricos eram, entao, desenvolvidos combinando a criatividade com a busca por melhores meios de produção. No entanto, com o advento dos insumos modernos, essa pratica ficou praticamente esquecida. Felizmente, nas ultimas 3 decadas, estudos científicos e experiencias de produtores rurais em varias partes do mundo devolveram a devida importância a essa eficiente pratica. O uso de adubos verdes começou, entao, a retomar espaco sob as mais variadas condições agroecologicas e nos sistemas de produção adotados no mundo, contribuindo, assim, para a manutenção e a melhoria dos atributos físicos (Calegari et al., 2010; Basch et al., 2012), quimicos e biologicos (Bolliger et al., 2006; Calegari et al., 2008) do solo. Isso vem resultando em melhoria dos diferentes sistemas agrícolas de producao, aumento da produção e da produtividade das culturas comerciais, maior racionalidade no uso dos insumos externos e maior equilibrio ambiental, com consequente diminuição da pressão e da ocorrência de pragas, nematoides e doenças nas culturas e no solo.

O conceito de sustentabilidade aplicado a agricultura vale aqui ser explorado. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (1981 citado por Coutinho et al., 2003, p. 45), “sustentabilidade” e entendida como [...] a capacidade de um sistema de produção de fibras, bioenergia ou alimento em manter por longo prazo a qualidade e a quantidade dos recursos naturais e a produtividade das culturas, minimizar os impactos adversos ao meio ambiente, promover retornos econômicos adequados aos produtores, otimizar a producao com um minimo de insumos externos, satisfazer as necessidades humanas de alimentos e renda e atender as necessidades sociais das famílias e comunidades rurais.

O uso de adubos verdes e a matéria orgânica do solo

A monocultura praticada na chamada agricultura moderna, que utiliza intensivamente herbicidas, inseticidas e fungicidas para controlar pragas e doenças, e aplica grande quantidade de fertilizantes e baixos níveis de matéria orgânica no solo (MOS), inibe, de certa forma, o uso de plantas melhoradoras e recuperadoras dos solos agrícolas. Esse fato tem provocado, em certos sistemas de producao, desequilibrio ambiental em varios niveis, decorrente do baixo grau de diversificacao, e concorrido para diminuir a populacao de organismos antagonicos, os chamados inimigos naturais de pragas e nematoides. Com isso, a agricultura, no mundo inteiro, foi se tornando cada vez mais vulnerável. Essa questão suscita a necessidade de recorrer ao emprego de plantas de cobertura, também conhecidas como adubos verdes.

Os agricultores, em geral, desconhecem os benefícios resultantes da manutenção e do aumento dos teores de MOS. A pratica de monocultura ou o uso persistente da sucessao/sequencia de culturas (como e o caso da soja-trigo e da soja-milho safrinha), a falta de um diagnostico criterioso de todas as condições dos sistemas de produção e a interação entre culturas e pragas, doenças e nematoides comuns, nos diversos sistemas de producao, tem contribuido para que aumentem os problemas de sanidade nas culturas de importancia economica na agricultura brasileira.

Os resultados de pesquisa, aliados a experiencia de produtores com o uso das plantas melhoradoras do solo, tem demonstrado grande potencial de protecao e recuperacao da capacidade produtiva dos diferentes solos agrícolas. Apesar disso, um desafio se apresenta aos produtores: identificar quais esquemas de uso das variadas especies são compatíveis com os sistemas de produção específicos de cada região e, se possivel, dentro dos limites de cada propriedade, considerando os aspectos relacionados a clima, solo, infraestrutura da propriedade e condições socioeconômicas do agricultor. O emprego dessas plantas traz muitos benefícios; alem de conservar ou melhorar a fertilidade, incrementa a produtividade das culturas comerciais, cria condicoes para o aproveitamento de algumas especies como alimentos e/ou forragem aos animais ou para a producao de graos para a comercialização ou a producao de oleo (biodiesel ou outros fins).

Falta, porem, vencer alguns obstaculos que tem contribuido para que muitos produtores não alcancem rendimentos favoráveis estáveis ao longo dos anos: o imediatismo de grande parte dos agricultores; o diagnostico inadequado do uso do sistema produtivo, relacionado ao monitoramento de nutrientes, ao aporte da MOS, ao rendimento das culturas por glebas, e a pouca utilização de coquetéis de plantas de cobertura.

Uso da adubação verde versus uso de insumos nos meios de produção

A agricultura moderna criou, nos mais diversos sistemas de producao, uma excessiva dependencia de insumos externos. Para uma grande parcela dos produtores, a producao agricola depende, exclusivamente, do atendimento das seguintes necessidades: agua (chuvas), sementes, fertilizantes e agrotoxicos (venenos agricolas). Na verdade, a questao e bem mais complexa, sendo inumeros os aspectos a serem considerados na produção agrícola, a comecar por um criterioso diagnostico de todas as condições locais de produção, assim resumido: 1) escolha da area onde sera implantada determinada cultura; 2) ajustes quanto aos atributos fisicos, quimicos e biologicos do solo, envolvendo analises quimicas e fisicas e a avaliação biológica das condicoes locais, para aferir e definir as necessidades de insumos, de descompactação e de correção de acidez do solo, a necessidade de inoculantes (no caso das leguminosas), etc.; 3) manejo da agua; 4) cobertura do solo; 5) controle da erosao; 6) processo de semeadura; 7) tratos culturais; e 8) acompanhamento do desenvolvimento das culturas ate a colheita.

A crenca de que, para alcançar produção e produtividade sustentável, basta recorrer ao emprego de insumos levou a uma forte dependencia de fertilizantes minerais e agrotóxicos, como herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas e nematicidas, sem que, antes, se tivesse estabelecido uma discussão ou avaliação criteriosa dos seus efeitos em cada gleba ou talhão, que respeitasse seu histórico de cultura, a rotacao, a sequencia cultural, etc. Ou seja, adotou-se uma visão muito simplista que concentra todas as solucoes de problemas, como incidencia de pragas e doencas, no uso de produtos quimicos.

Outra questão e a limitação dos métodos tradicionais de analise e avaliação da fertilidade do solo. A avaliação química não e suficiente para avaliar o potencial produtivo de areas que contemplem um sistema mais dinâmico, incluindo o uso de plantas de cobertura (adubos verdes) e a rotacao de culturas no sistema plantio direto (SPD) com qualidade. Por isso, e preciso que os estudos se detenham em outros indicadores, como o incremento biologico, a acao de fungos micorrízicos e outros solubilizadores de nutrientes (organismos beneficos do solo) e a elevada produção de ácidos orgânicos e enzimas benefícios as plantas, a microflora e a fauna do solo (que favorecem sobremaneira a disponibilização e o acesso de nutrientes as raizes das culturas), os quais devem ser considerados e avaliados em sistemas dinamicos de producao. Os principais fatores envolvidos no aumento da população de microrganismos solubilizadores de fosforo (P), amonificadores, nitrificadores e fungos micorrízicos são baixas oscilações térmicas entre as temperaturas maximas e minimas, condicoes essas encontradas nas areas com solos cobertos por  residuos das plantas de cobertura (cobertura morta) no SPD.

Ha mais de 6 decadas, Primavesi (2002) ja mencionava que, no futuro, as analises quimicas corriqueiras e tradicionais dariam lugar as analises biológicas ou microbiológicas, as quais melhor iriam expressar o potencial produtivo das areas agricolas. Assim, em diferentes regiões agrícolas brasileiras, experiencias de produtores mostram que as analises quimicas de solo, isoladas, não explicam bem a realidade da producao ou do potencial produtivo das terras agricultáveis.

As diferentes especies de adubos verdes isoladas ou os coqueteis (misturas), adequadamente testados e validados regionalmente nos mais diversos sistemas de producao, tendem a contribuir favoravelmente para um aumento da biodiversidade (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007). Isso se reflete no incremento da população dos organismos antagonicos (inimigos naturais das pragas), diminuindo a pressão de pragas e/ou doencas e nematoides sobre as culturas; nos maiores indices de infiltracao de agua no perfil do solo pelo efeito das raízes e da matéria orgânica adicionada ao solo (Basch et al., 2012); e no aumento da populacao de organismos solubilizadores de P e acidos organicos, que contribuem para maior disponibilidade de nutrientes, quer pela presença de especies que promovem a fixacao biologica, quer pela habilidade das raizes e pelas interações com seus exsudatos na ciclagem dos nutrientes nitrogênio (N), fosforo (P), potassio (K), enxofre (S) e outros (Tiecher et al., 2012a, 2012b).

Alem disso, as plantas de cobertura contribuem, pela adicao continua de seus residuos, para o aumento dos níveis de MOS e principalmente para a mitigação das perdas de gases (dióxido de carbono – CO2 – e oxido nitroso – N2O) para a atmosfera. Combinando o uso de adubos verdes com a rotação de culturas no SPD, promove-se o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), que vai promover uma melhoria nos seus atributos (Miyasaka; Okamoto, 1992; Bulisani et al., 1993). Assim, as raizes das plantas, muito similares as hifas de fungos, podem prover a estrutura mecânica para a formação inicial dos macro agregados do solo, ao englobarem as partículas e produzirem os agentes cimentantes (exsudatos radiculares), os quais estimularam a atividade microbiana (Jastrow; miller, 1998). Outro mecanismo comum de formação de macroagregados e a atividade da fauna do solo, principalmente minhocas (Blanchart et al., 1997), formigas e cupins (Marinissen; Dexter, 1990).

Alem de sua participação na formação de macroagregados, as minhocas contribuem para uma maior disponibilidade de nutrientes e a consequente melhoria da fertilidade química dos solos.

Em relação ao plantio convencional, observa-se, no SPD, maior quantidade de biomassa microbiana e abundancia de minhocas (Doran, 1980, 1987). Alem disso, em geral, o SPD favorece mais as populações de fungos do que as de bactérias (Beare et al., 1993; Frey et al., 1999; Drijber et al., 2000), produzindo uma relacao de glucosamina (derivada de fungos) maior do que a de acido murâmico (derivado de bacterias) (Frey et al., 1999; Guggenberger et al., 1999). A estabilização preferencial de fungos sobre a biomassa bacteriana pode levar a uma ciclagem mais eficiente do carbono (C) e do N (Beare et al., 1992; Frey et al., 1999).

Quanto ao manejo de plantas invasoras, o uso adequado dos adubos verdes e de seus resíduos, em razão dos seus efeitos fisicos (formacao de cobertura morta, sombreamento) e quimicos (alelopatia), afeta qualitativa e quantitativamente distintas infestações de especies invasoras (Teasdale et al., 2007). Por isso, estimula-se maior utilização de especies que promovam esses benefícios – como milheto [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown], crotalaria (principalmente das especies Crotalaria juncea e C. ochroleuca), guandu [Cajanus cajan (L.) Millsp], mucuna-cinza (Mucuna nivea (Roxb.) DC. ex Wight & Arn, syn. Stizolobium niveum Kuntze), mucuna-preta [Mucuna aterrima (Piper & Tracy) Holland], calopogonium (Calopogonium mucunoides), feijao-de-porco (Canavalia ensiformis), aveia-preta (Avena strigosa Schreb), centeio (Secale cereale), azevem (Lolium multiflorum), ervilhaca (Vicia sp.) e nabo-forrageiro (Raphanus sativus) – no controle de diferentes especies de plantas invasoras. E importante usar e manejar essas especies em rotação quando se pretende diminuir populações de algumas invasoras com um minimo de agressão ao meio ambiente.

Diante disso, confirma-se a necessidade de diagnosticar todos os componentes englobados no sistema de producao – tais como os aspectos relacionados as culturas, ao solo, a agua, ao nivel de organismos do solo, as especies invasoras, as maquinas, a infraestrutura do produtor e aos objetivos pretendidos –, sob o risco de cometerem-se erros, ou subestimando ou superestimando os diversos componentes, o que pode induzir o uso indiscriminado ou excessivo de insumos externos aos meios de produção.

Ocorrência de doenças em áreas sob manejo com adubos verdes

O principio de controle de pragas e doenças adotado pelo sistema de rotacao de culturas (incluindo o uso de plantas de cobertura) baseia-se em eliminar ou suprimir o substrato para o inseto ou patógeno. A ausencia dos residuos da planta anual cultivada leva a redução populacional ou a erradicação dos organismos de uma determinada area e época do ano, principalmente quando se trata de pragas que se alimentam ou infectam exclusivamente uma unica especie de planta.

No SPD, a totalidade dos resíduos culturais e deixada na superfície do solo. Nessa situacao, a taxa de decomposição e mais lenta, o que aumenta o periodo de sobrevivencia dos patogenos.

Assim, o inoculo encontra condição ideal para a esporulação, a liberação e a inoculação.

A nova cultura emerge entre os resíduos infectados. Dessa maneira, no SPD, as doencas causadas por patógenos necrotrofos, ou seja, aqueles que possuem a habilidade de nutrir-se de tecidos mortos (habilidade saprophyticus), sao favorecidas. Esses fungos desenvolvem-se mesmo apos a morte do hospedeiro e podem ser mais severos sob plantio direto e com cultivo minimo do que em convencional, pois a nova cultura podera ser plantada sobre os residuos de outra especie nao hospedeira. Rotações com culturas não hospedeiras reduzem a pressão de seleção dos patógenos de solo específicos, inibindo o desenvolvimento de grandes populações. Na ausencia do hospedeiro suscetível, a população declina e morre. Assim, a rotação de culturas funciona mais como efeito preventivo do que curativo (Fries; Aita, 1999).

A rotacao de culturas (não apenas com culturas comerciais, mas também com adubos verdes de diferentes famílias) no SPD e um meio eficiente de aumentar a biodiversidade (Calegari et al., 2008; Florentin et al., 2011) e diminuir a ocorrência ou impedir o aumento das populações de pragas e doenças, incluindo nematoides, pela falta de um habitat e pela interrupção do ciclo desses organismos no solo (Nazareno; Mehta, 2006).

A rotação de culturas age durante a fase de sobrevivencia do patogeno, quando ele e submetido a uma intensa competicao microbiana (na qual geralmente leva desvantagem) e corre o risco de não encontrar o hospedeiro (o que lhe determina a morte por desnutricao). Isso ocorre no periodo entre dois cultivos, durante a fase saprophyticus, quando o patogeno extrai nutrientes de various substratos mortos. Por seu turno, os patogenos biograficos (que se alimentam de tecidos vivos) nao sao afetados pela rotação, porque são dependentes de seus hospedeiros vivos (ferrugens, oidios) (Reis, 1991; Paula Junior et al., 2004; Reis et al., 2004).

Os patógenos necrotróficos sao diretamente influenciados pelo sistema sequencial de culturas; contrariamente, sob monocultura, esses sao realimentados e, portanto, mantidos num potencial de inoculo suficiente para dar continuidade ao seu ciclo biologico. Quando coincide a liberação do inoculo com a presença do hospedeiro, restabelece-se o parasitismo. Nesse momento, o resíduo cultural não e mais uma fonte de inoculo primario importante, pois o patógeno já foi introduzido no cultivo. A cultura principal podera retornar a area quando os patógenos necro troficos, controláveis pela rotação de culturas, forem eliminados ou reduzidos a um nivel de inoculo muito baixo. Isso ocorre apos a decomposição completa dos resíduos (mineralizacao da materia organica).

Nas regiões agrícolas produtoras, tem-se observado, por exemplo, que a ocorrencia de doencas no solo – as podridoes-radiculares (causadas por Fusarium sp., Rhizoctonia sp. e outras) e algumas pragas e nematoides em diversas culturas (tais como soja, milho, feijão e algodão) – e avaliada buscando-se o controle, em grande parte dos casos, por meio do uso de produtos pulverizados.

Muitas vezes, tem-se conseguido o controle; entretanto, alem de controlar o inimigo (praga, doenca), elimina-se grande parte dos organismos antagónicos (que sao os inimigos naturais das pragas). Como se percebe, esse nem sempre e o caminho sustentável de manejo, muitas vezes contribuindo para o desequilíbrio dos sistemas produtivos. Basta observar, por exemplo,a crescente infestação de populações de nematoides no Rio Grande do Sul, no Parana, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, em Goias e na Bahia, que abrigam diferentes culturas de importancia economica, como soja, milho, algodão e feijão. O uso intensivo de fungicidas e inseticidas no tratamento de sementes e doenças das culturas (como a ferrugem da soja) tem, indiretamente, contribuído para a diminuição dos inimigos naturais e, consequentemente, para o desequilibrio ambiental, aumentando a ocorrência desses organismos indesejáveis nos sistemas produtivos.

Em geral, as condições de seca e alta temperatura influenciam negativamente o crescimento populacional de nematoides, enquanto a maioria das plantas invasoras multiplica diferentes especies desse parasita. O ideal e que, em vez de deixar multiplicarem-se as populações de invasoras numa determinada area, procurar substitui-las por determinadas especies de plantas de cobertura. As vantagens auferidas incluem a melhoria dos atributos (quimicos, fisicos e biologicos) do solo, bem como a diminuição das populações de fitonematoides do solo.

Conforme Paula Junior et al. (2004), nas regiões de cultivo de feijoeiro irrigado, depois do aumento da produtividade nos primeiros anos, tem-se observado uma reducao paulatina no decorrer das safras, em virtude dos seguintes fatores: a) rotacao de culturas inadequada, com o consequente aumento da incidência e severidade de doenças; b) surgimento de novas doenças, como sarna-comum (Streptomyces scabies) e carvão da aveia (Ustilago scitaminea); c) compactacao do solo; d) desequilibrio nutricional; e f) salinização do solo. Muitos produtores tentam minimizar o problema com doses macicas de fertilizantes e aplicação excessiva de defensivos quimicos. Geralmente, os patógenos de solo mais comumente isolados das areas irrigadas sao: mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum), murcha de fusário ou tombamento (Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli), podridao-radicular-seca (Fusarium solani f. sp. phaseoli), podridao-cinzenta do caule (Macrophomina phaseolina), podridao-radicular (Rhizoctonia solani) e podridao do colo (Sclerotium rolfsii). Entre as medidas de controle, a rotação de culturas e uma das mais apropriadas.

Ela deve ser empregada especialmente para patogenos invasores (nao habitantes) do solo, por pelo menos 18 meses, embora seja recomendada também para o manejo de habitantes do solo, os quais geralmente produzem estruturas de sobrevivência. Para estes ultimos, o feijão não deve ser incluido na rotação pelo período de 4 ou 5 anos.

Algumas caracteristicas dos patogenos habitantes do solo podem limitar a utilizacao da rotacao de culturas. Por exemplo, R. solani apresenta grande capacidade de competição saprofítica; ja F. spp., S. rolfsii, S. sclerotiorum e M. phaseolina produzem as proprias estruturas de sobre vivencia. Desses patogenos, ha muitos que tem uma vasta quantidade de hospedeiros, como S. sclerotiorum, que pode causar doenca em mais de 400 especies de plantas, como algodao, batata, canola, cenoura, ervilha, girassol, soja, tomate e trevo. Ja no caso de gramineas, como trigo, milho e milheto, a rotação e a estrategia mais recomendada (Paula Junior et al., 2004). Quando se implementa a rotação com culturas não hospedeiras, o patogeno deixa de dispor de fonte nutricional para sobreviver ou multiplicar-se.

Entre as principais vantagens do uso da palhada da braquiária [Urochloa brizantha  (syn. Brachiaria brizantha)], seja no SPD, seja no sistema de integração lavoura-pecuária (Alves et al., 2008), destacam-se: 

a) boa capacidade de conservacao de agua; 

b) menor amplitude termica;

c) maior tempo de cobertura do solo em razao da lenta decomposição de seus residuos;

d) controle e minimização de algumas doenças, como o mofo-branco, a podridão-radicular-seca ou podridão por Fusarium e a podridao por Rhizoctonia (acao isolante ou alelopático causada pela microflora do solo sobre os patogenos); e e) maior capacidade de supressão física das invasoras, o que pode reduzir ou ate mesmo tornar desnecessario o uso de herbicidas pos-emergentes (Lemos; Farinelli, 2008, 2010).

Trabalhos de pesquisa mostram que a braquiária em consorcio com o milho (Kluthcouski et al., 2003), com o decorrer dos anos ou com o uso continuo, pode induzir a supressão geral de R. solani e F. solani f. sp. phaseoli ou servir como barreira física a disseminação do mofo- -branco, quando essa doença for proveniente de ascosporos originados do inoculo no solo (Costa; Rava, 2003). Entretanto, se for constatada a presença do nematoide Pratylenchus brachyurus, a braquiaria devera ser eliminada, pois e hospedeira desse nematoide. Assim, pode causar serios problemas as culturas de soja, milho, feijao, algodao, trigo, cevada e cafe, entre outras. Deverao, pois, ser utilizadas plantas de cobertura em rotacao que apresentem fator de reprodução (FR) zero ou menor que 1, tais como: crotalarias (C. spectabilis, C. ochroleuca e C. breviflora), guandu-anao cv. Iapar-43 [Cajanus cajan (L.) Millsp], guandu-gigante [Cajanus cajan (L.) Millsp] e milheto ADR-300 [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown].

Ocorrência de pragas em áreas sob manejo com adubos verdes

Diversificar o emprego alternado de especies de plantas de cobertura em sequencias ordenadas com culturas comerciais favorece o crescimento de maior diversidade de organismos (conforme as condicoes de solo, tipo de solo, fertilidade, clima, etc.), entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos a cultura. Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para os insetos beneficos, e o uso de faixas de vegetação natural proximas as areas de cultivo favorece a reproducao dessas especies, alem de aumentar as populacoes de organismos antagonicos as pragas, contribuindo, assim, para maior biodiversidade e maior controle biológico natural.

No manejo do solo, em condições em que a calagem e a aplicação de nutrientes nao estão equilibradas e o sistema de preparo do solo e inadequado, a maioria dos efeitos benéficos da rotação e minimizada ou não potencializada, acarretando problemas de erosao, maior probabilidade de ocorrência de pragas e doenças, alem de resultados anti economicos (Resck, 1993). Dessa forma, observa-se que o manejo de solos, agua e culturas ocorre de forma interativa e equilibrada.

Diversos fatores devem ser considerados e seguidos para que sejam alcancados os resultados positivos almejados, como: menor risco de ataque de pragas, sinergismo e desenvolvimento de um agroecossistema equilibrado, conforme sugerido por Altieri et al. (2007) (Figura 1).

Geralmente, pragas e doenças atacam preferencialmente plantas malnutridas e/ou com níveis de nutrientes desequilibrados, ou, entao, culturas que crescem em ambiente onde haja algum desequilíbrio. Assim, o bom suprimento de nutrientes, que propiciam vigor as plantas, e a diversificação de especies na area de cultivo sao fundamentais para conferir maior resistência as plantas.

O continuo uso de monoculturas, aliado a aplicacao excessiva de produtos quimicos, muitas vezes tem provocado desequilibrio nos sistemas produtivos. Um exemplo tipico observado nas regiões produtoras de soja, principalmente nos Cerrados, e o aumento das populações de lagartas-da-soja, como e o caso da lagarta-falsa-medideira (Pseudoplusia includens). Considerada antigamente como praga secundaria da soja, essa lagarta, atualmente, ja e tida como praga principal.

A aplicação exagerada de inseticidas sem critério técnico, no inicio do desenvolvimento da soja, nao obedecendo aos níveis de dano indicados e preconizados no manejo integrado de pragas, tem afetado negativamente as populacoes dos inimigos naturais. Segundo Clara Beatriz Hoffmann-Campo, esses, principalmente os parasitoides, como as vespinhas – Copidosoma sp. –,controlam naturalmente as populacoes da lagarta-falsa-medideira (informacao verbal)1. Ademais, a pesquisadora afirma que o uso de fungicidas não seletivos para o controle da ferrugem-asiática da soja também aumenta os problemas com a lagarta-falsa-medideira, por reduzir a incidencia das doenças fungicas, como a doença-branca e a doença-marrom, que controlam naturalmente a lagarta-falsa-medideira.

Quando se cultivam, por varios anos, especies susceptiveis a nematoides, eles tendem a aumentar, podendo causar danos econômicos as culturas comerciais. Geralmente, o fato esta associado a degradação do solo (principalmente com a diminuição dos níveis de MOS e a presenca de monoculturas). Assim, para viabilizar o plantio de culturas comerciais, e preciso controlar as populacoes desses fitoparasitas. Nesse contexto, as plantas de cobertura destacam-se entre as outras medidas de controle, como rotação com outras culturas de baixa suscetibilidade e variedades resistentes (Calegari, 2009). O manejo que promove aumento da MOS, principalmente pelo acumulo de residuos, incrementa a atividade biologica, aumentando o numero de especies de organismos, o que conduz a um melhor equilíbrio natural, evitando a predominancia de determinada(s) especie(s) de organismo(s), o que poderia, em algum momento, resultar em prejuízo para determinado cultivo.

Solos que apresentam elevados teores de materia organica e alta atividade biológica geralmente apresentam boa fertilidade (ou tem grande potencial para isso), complexas redes troficas e organismos benéficos que previnem infeccoes radiculares. Por sua vez, praticas agrícolas que causam instabilidade nutricional ou diminuição da biodiversidade podem predispor as plantas a maior suscetibilidade ao ataque de pragas e doenças (Magdoff; Van Es, 2009), enquanto outras praticas, como o uso de adubos verdes, as rotações de culturas e/ou a preservação de insetos benéficos (que também estão relacionados ao incremento da biologia e da fertilidade do solo, com consequente aumento da biodiversidade), promoverão a diminuição das populações de pragas (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007). Phelan et al. (1995) enfatizam que um baixo numero de insetos-praga encontrados em sistemas de produção orgânica pode advir, em parte, de resistencias mediadas por diferencias quimicas e de nutricao mineral. Esses resultados fornecem evidencias que reforcam a ideia de que o manejo da MOS, a longo prazo, pode melhorar a resistência de plantas a insetos-praga. Isso e confirmado por estudos recentes sobre as relacoes entre os componentes que estão sobre e no solo dos ecossistemas, os quais sugerem que a atividade biológica no solo e, provavelmente, muito mais importante do que se reconhece hoje para determinar respostas individuais das plantas aos estresses causados pelos insetos (Blouin et al., 2005).


Efeito sinérgico de sistemas integrados e diversificados de produção

Innúmeras experiencias de agricultores, somadas aos resultados obtidos por pesquisas, mostram que o sistema de agricultura de conservacao (que inclui o emprego de adubos verdes adequadamente integrados em rotação de culturas no SPD com qualidade, depois de adaptados  regionalmente) e importante porque tende a interferir positivamente em diferentes aspectos, como:

• Promove melhor conservacao e recuperacao dos solos, tendendo a desenvolver um sistema sustentável de produção.

• Facilita a distribuição do trabalho durante todo o ano agrícola, levando a uma economia de mão de obra e a um menor consumo de energia.

• Permite maior diversificação com menores riscos de ataques de pragas e/ou incidência de doenças.

• Possibilita melhor aproveitamento da umidade do solo, com diminuição da frequência de irrigação.

• Contribui para uma adequada redistribuição (aproveitamento e equilibrio) dos nutrientes no solo, proporcionando um aumento da capacidade produtiva.

• Favorece a diminuição dos custos de produção.

• Contribui para maior estabilidade de produção.

• Conduz, geralmente, ao aumento dos rendimentos das diferentes culturas e, consequentemente, a tendencia de aumento da renda liquida da propriedade e perspectivas de melhoria na qualidade de vida dos produtores.

Nas mais diversas regioes brasileiras, em distintos sistemas agroecologicos contingenciados em termos de clima e de solo, verifica-se que adubos verdes nem sempre sao usados de forma compatível com as adequadas sequencias de culturas. Na maioria das vezes, isso se deve, em parte, a falta de informações e experiencias regionais comprovadas (nas regioes de recente exploração agrícola, isso tende a ocorrer com mais frequência). Alem disso, muitos produtores desconhecem as melhores opções de rotação, as quais devem sempre estar associadas ao diagnostico das areas cultivadas, em termos de nutrientes (aspectos químicos) e atributos fisicos e biologicos do solo (presença ou não de patógenos que possam comprometer o desempenho das culturas), e, em muitos casos, a indisponibilidade de sementes de adubos verdes de origem idonea.

O conhecimento prévio do histórico da area, o acompanhamento criterioso das atividades realizadas – manejo ou nao do solo, uso de calagem e adubação (quimica e organica), tratos culturais (fitosanitarios) – e o histórico do rendimento das culturas são fundamentos indispensáveis ao estabelecimento de esquemas de rotacao de culturas ajustados regional e localmente.

Os esquemas de rotação dependem da região em questão, do tipo de solo, do clima, do manejo empregado, das características dos talhões e da infraestrutura da propriedade. Por sua vez, a rotação de culturas em propriedades diversificadas depende de um planejamento ordenado e de uma criteriosa adequação temporal e espacial das atividades.

Monitorar, rotineiramente, as areas com rotação de culturas e um procedimento crucial para garantir o sucesso do sistema. Independentemente da distribuição espacial das culturas, planejar racionalmente a propriedade, a curto, medio e longo prazos, faz-se necessário para que a implementação seja técnica, ecologica e economicamente viavel. O uso adequado da rotação de culturas previne o impacto ambiental causado, em algumas situações, pela excessiva degradação dos solos, consequencia do uso abusivo de agrotoxicos, da adoção da monocultura e do desnecessário e excessivo preparo do solo.

O efeito básico dos adubos verdes e da rotação de culturas nas doenças de solo e plantas baseia-se na supressão do hospedeiro (substrato nutricional). A inexistência do hospedeiro reduz o patógeno que, para viver, depende dele. Quanto as pragas, a diversificação de culturas tende a promover maior equilíbrio ambiental, gracas ao maior numero de inimigos naturais, e, consequentemente, concorre para a diminuição da ocorrência de ataques. E do conhecimento geral que os solos devem ser preservados para que continuem produtivos e sustentáveis ao longo do tempo. A diversificação do emprego de especies de adubos verdes em sequencias ordenadas, com culturas comerciais, favorece o incremento da populacao de diferentes organismos, entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos (micorrizas e outros organismos solubilizadores de nutrientes) que promovem a bioativação do solo (Balota et al., 2004). Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para insetos beneficos. Ademais, o uso de faixas de vegetação natural próximas as areas de cultivo favorece a reproducao dessas especies, o que resulta em aumento das populações de organismos antagônicos as pragas, contribuindo, assim, para ampliar a biodiversidade e o controle biologico natural.

Conforme Altieri et al. (2007), esses resultados tem melhorado o entendimento sobre o papel da biodiversidade na agricultura e as estreitas relações entre a biota encontrada sobre e sob a camada superficial do solo, sendo base para o desenvolvimento de estrategias em bases ecológicas, que combinam maior diversificação de culturas com incremento da qualidade do solo. Em suma, o uso de rotação de culturas e de plantas de cobertura (melhoradoras e recondicionadoras dos atributos do solo) no SPD ajuda a equilibrar as relacoes solo-agua-planta (ambiente como um todo) e, consequentemente, estimula a producao sustentavel de alimentos, fibras e energia em harmonia com a natureza.

Considerações finais

Manter os sistemas de producao equilibrados de forma que sejam produtivos, competitivos e sustentáveis ao longo do tempo e um dos mais importantes objetivos da agricultura moderna.

Por isso, devem-se identificar sistemas que permitam integrar e contribuir para alcancar maior biodiversidade, diversificação na produção, equilibrados uso, reciclagem e aproveitamento de nutrientes, manutenção e/ou recuperação dos atributos (quimicos, fisicos e biologicos) do solo e diminuição dos riscos e perdas por ataque de pragas e doenças. A integração das praticas ordenadamente sistematizadas, que privilegiem o aumento dos níveis de matéria orgânica e da biodiversidade do solo, promovera avancos nao apenas na agricultura como um todo, como também nas condições socioeconômicas dos produtores rurais.

O uso de adubos verdes (plantas de cobertura) conduzido em rotação de culturas no SPD, com qualidade e adaptado regionalmente, traz grandes beneficios: a) permite melhor distribuição do trabalho durante todo o ano; b) economiza mao de obra; c) ajuda a controlar as invasoras, principalmente por efeito de coberturas e rotações; e d) favorece o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), promovendo, assim, maior biodiversidade e melhor equilíbrio ambiental, com menos ocorrência de pragas e doenças. Esse sistema reduz acentuadamente as perdas de solo, promove aumento da infiltração e do armazenamento de agua no solo, melhoria da fertilidade do solo, em razao de uma maior reciclagem de nutrientes, maior diversidade, aumento no rendimento das culturas e melhor estabilidade de produção, alem de possibilitar o uso racional e constante da terra com o emprego minimo de insumos externos. Comprova-se, assim, que o uso de adubo verde e uma forma eficiente e eficaz de producao continua em sistemas sustentáveis.

 O manejo sustentável do solo e das diferentes culturas devera ser pautado por um diagnostico de qualidade, ou seja, que considere todos os atributos químicos, fisicos e biologicos de uma determinada area a ser cultivada, e que cheque, in locu, possíveis limitações, desafios e/ou problemas relacionados a compactação do solo, a deficiencia de nutrientes, a ocorrencia de pragas e/ou doenças radiculares, e a nematoides. E, entao, numa visao holistica, buscar integrar ferramentas que harmonizem o manejo do solo com o das culturas:

• priorizando o uso de produtos biologicos e intervencoes com produtos que provoquem o minimo de destruicao possivel das populações de inimigos naturais das pragas;

• inserindo o uso adequado de diferentes especies de plantas de cobertura;

• incrementando a rotacao de culturas, no sistema plantio direto com qualidade, conduzindo a uma maior biodiversidade e bioativacao de solos e plantas;

• aumentando a microbiota do solo e, assim, a disponibilizacao e o uso racional de nutrientes e insumos;

• desenvolvendo uma agricultura de processos, e nao de produtos, que conduza a um maior equilíbrio nos sistemas de producao, ou seja, a maiores produtividades com menores custos de producao, de forma sustentavel.


domingo, 16 de julho de 2023

Evolução dos conceitos de adubação verde

 

A adubação verde – prática agrícola de conservação do solo – é conhecida e utilizada desde antes da Era Cristã para recuperar os solos degradados pelo cultivo, melhorar os solos naturalmente pobres e conservar aqueles produtivos. Com a Revolução Verde, a partir dos anos 1960, a adubação verde perdeu, temporariamente, sua importância com o surgimento e desen­volvimento de máquinas, equipamentos e insumos modernos. No entanto, a partir dos anos 1980, foi exatamente com o uso dos adubos verdes que a agricultura deu um salto de qualidade. Os adubos verdes tornaram-se componentes fundamentais em arranjos de sucessão e rotação de culturas, que viabilizam tanto o sistema plantio direto quanto a integração lavoura-pecuária e os sistemas agroecológicos de produção. 

Em razão do número de espécies já conhecidas e de suas respectivas características agro­nômicas e fenológicas, os adubos verdes podem ser cultivados de inúmeras maneiras, nos mais diversos tipos de arranjos e configurações, para viabilizar o uso e o manejo sustentável do solo e a produção de alimentos de qualidade. 

O presente capítulo tem por objetivo discutir a evolução dos conceitos de adubação verde, bem como caracterizar as várias modalidades de cultivo dos adubos verdes no Brasil. 

Evolução dos conceitos de adubação verde 

O cultivo de plantas para a recuperação de solos degradados é uma prática agrícola de conhecido efeito benéfico ao solo, cujo resultado era mostrado na abundância da colheita da safra seguinte, desde 5000 a.C. Nos relatos escritos por chineses, gregos e romanos, sempre ficou evidente a necessidade da incorporação do adubo verde para promover o seu efeito (Souza; Pires, 2002; Amabile; Carvalho, 2006). Catão, Columela, Plínio, Varrão, Virgílio e Teofrastus fizeram referências ao emprego das leguminosas para adubação verde, mencionando a preferência por essas espécies (Kiehl, 1960). 

No primeiro documento que se tem registro oficial no Brasil, D’utra (1919, p. 1) já relatava 

[...] o efeito melhorador das culturas de enterrio [...], mas que [...] o êxito desse efeito e a importância prática dos adubos verdes depende do estudo e da escolha das espécies a cultivar, das caracterís­ticas edafoclimáticas e das circunstâncias econômicas de cada local e da cultura que se pretende beneficiar. 

Essa afirmativa já era um alerta para técnicos e agricultores quanto à necessidade de conhecer detalhadamente cada espécie cultivada para que fosse empregada da melhor forma possível. 

Em 1959, Kiehl lançou dois conceitos que ficaram conhecidos e foram amplamente aceitos até os anos 1980. Denominou adubo verde como “[...] a planta cultivada ou não, com a finali­dade precípua de elevar a produtividade do solo com a sua massa vegetal, quer produzida no local ou importada” (Kiehl, 1960, p. 1). Segundo o autor, a adubação verde caracteriza-se por ser “[...] a prática de se incorporar ao solo massa vegetal não decomposta, de plantas cultivadas no local ou importadas, com a finalidade de preservar e/ou restaurar a produtividade das terras agricultáveis” (Kiehl, 1960, p. 1). 

Miyasaka (1984), que ratificou e ampliou tal conceito, afirma que a adubação verde é a prática de incorporação de espécies vegetais ao solo, tanto de gramíneas quanto de outras, naturais ou cultivadas, nas terras em alqueive. No entanto, ele registrou que o uso de leguminosas constituía a prática mais racional e difundida para essa finalidade. 

Com base nessas definições, pode-se dizer que estava implícita nesses conceitos uma “visão química”, cujo requisito era a incorporação da massa vegetal (fitomassa) ao solo, com o objetivo de melhorar a sua fertilidade (propriedades químicas do solo = reciclagem de nutrientes e recuperação dos níveis de matéria orgânica do solo). 

As plantas utilizadas para esse fim recebiam as seguintes denominações: adubo verde (português), green manure (inglês), gründünger (alemão), abonos verdes (espanhol), engrais vert (francês), entre outras. Já a prática do cultivo dessas plantas era denominada adubação verde (português/Brasil), green manuring (inglês), gründüngung (alemão), sideração (português/ Portugal) e fumage vert (francês). 

A Revolução Verde, implementada a partir dos anos 1960, promoveu a modernização da agricultura brasileira, uma vez que colocou à disposição dos agricultores sementes melhoradas, fertilizantes e corretivos, defensivos, máquinas e equipamentos agrícolas. Esse conjunto de in­sumos, ditos modernos, intensificou o processo produtivo e proporcionou a ampliação da área cultivada e o aumento da produtividade das culturas no País. No entanto, apesar dos benefícios alcançados, a Revolução Verde trouxe vários inconvenientes: o uso inadequado e o revolvimento excessivo do solo pelas máquinas, que provocou a desestruturação (pulverização) da camada superficial; o aparecimento de camadas compactadas na subsuperfície e a diminuição dos níveis de matéria orgânica, resultando em elevadas taxas de erosão e, finalmente, em degradação do solo. 

Na busca de soluções para esses problemas, agricultores e técnicos valeram-se de ensi­namentos antigos, além de observações e resultados de pesquisa de outros países. Apesar de a maioria dos relatos antigos sobre adubação verde deixarem claro o procedimento do enterrio da massa vegetal não decomposta, Marcus Terentius Varro, ano 36–26 a.C., em seu tratado Rerum Rusticarum, lançou, pela primeira vez, o conceito de sustentabilidade, registrando que “[...] a agricultura é uma ciência que nos ensina que culturas devem ser plantadas em cada tipo de solo, e que operações devem ser feitas para a terra produzir os rendimentos mais altos perpetuamente” (Conway, 2003, p. 193). Nesse mesmo documento, Varro ainda referiu-se a “[...] algumas plantas que também devem ser plantadas, não tanto pelo retorno imediato, mas tendo em vista o ano seguinte, pois cortadas e deixadas sobre o solo, elas o enriquecem” (Conway, 2003, p. 269). 

Borst e Woodburn (1942) demonstraram, pela primeira vez, a eficiência da cobertura do solo, com palha, na redução da erosão e registraram que essa prática poderia controlar a erosão em até 95%. 

Hull (1951, p. 181) já comentava que, “[...] à exceção dos declives extremamente suaves, é infalível de ocorrer perdas devido à erosão pela água se o solo não for protegido por uma cober­tura vegetal”. Para tanto: 

[...] qualquer cultivo, enquanto funcionar como cobertura fechada do solo, é considerada como cul­tura-de-cobertura, tenha ou não sido plantada para esse fim. A acepção mais usual da expressão é, entretanto, algo mais restrita e definida, limitando-se às culturas plantadas com o objetivo precípuo de conter a erosão do solo, acrescentar-lhe matéria orgânica e aumentar a sua fertilidade (Hull, 1951, p. 181). 

Apesar de incorporar o termo cobertura do solo para o controle da erosão, preocupação não definida claramente dentro do conceito anterior, Hull (1951) recomendava o manejo das plantas de cobertura com arado para incorporá-las como adubo verde. 

No Brasil, os primeiros resultados de pesquisa que mostraram o efeito positivo da cobertu­ra do solo, com resíduos de culturas na redução da erosão, datam da década de 1970, no Paraná e, logo após, no Rio Grande do Sul. 

Visto que era necessário proteger o solo durante o período de ocorrência das chuvas mais erosivas, período esse coincidente com a época de preparo do solo e da semeadura das culturas de verão, agricultores e técnicos da região Sul do Brasil passaram a viabilizar um novo sistema de cultivo do solo. Esse sistema estava baseado em três princípios fundamentais: a cobertura permanente da superfície, o não revolvimento do solo e a rotação de culturas. Para isso, foi necessário evitar a queima da palha das culturas de inverno (trigo, por exemplo), evitar o preparo do solo mecanicamente, adaptar as máquinas semeadoras à nova realidade e incorpo­rar, definitivamente, a prática da rotação de culturas para viabilizar o cultivo de outras culturas comerciais em sequência planejada de cultivo e de plantas para cobrir o solo, em especial, com a sua palha (cobertura morta). Na busca pelo aumento da quantidade de palha sobre o solo e, por conseguinte, de cobertura para diminuir as perdas por erosão e recuperar os solos degradados pelo preparo inadequado, inúmeros trabalhos de introdução de espécies de adubos verdes de inverno e verão foram iniciados a partir de meados da década de 1980 (Mondardo et al., 1982; Derpsch et al., 1984; Wildner, 1990). 

Monegat (1981), com base nas experiências exitosas de técnicos e agricultores familiares da região oeste de Santa Catarina, lançou as bases do cultivo mínimo do milho (Zea mays L.). Nesse sistema, a ervilhaca-comum (Vicia sativa L.), usada como adubo verde, era manejada com o uso de um arado de tração animal (arado “fuçador”). Nessa operação, parte da cobertura verde era incorporada e parte afastada para os lados. Na área entre os sulcos, a ervilhaca-comum permane­cia vegetando até o final do ciclo, enquanto o milho, nas linhas, após a semeadura, desenvolvia-se normalmente. 

Em 1991, Monegat, lança o livro Plantas de cobertura do solo: características e manejo em pequenas propriedades, um marco para a viabilização de sistemas conservacionistas de solo, não só para propriedades familiares, mas para qualquer tamanho de propriedade agrícola (Monegat, 1991). 

A nomenclatura dos adubos verdes sofreu alterações em vários idiomas: em português, passou de adubos verdes para plantas de cobertura do solo; em espanhol, de abonos verdes para cultivos de cobertura; em inglês, de green manure para soil cover crops; em alemão, de gründünger para bodenbedeckungspflanzen; em francês, de engrais vert para plantes de coverture du sol. Já a prática passou de adubação verde para cobertura do solo (português/Brasil); de green manuring para soil cover (inglês); de gründüngung para bodenbedeckungs (alemão); de sideração para alfom­bra (português/Portugal); de fumage vert para coverture du sol (francês); e para cobertura de suelo (espanhol). 

Nesse novo conceito, foi dado um “enfoque físico”, pela presença da palha sobre a superfí­cie do solo (cobertura morta, cobertura do solo), minimizando o risco da erosão, e também pelo efeito secundário, durante a sua decomposição, na recuperação dos atributos físicos do solo, em especial da estrutura do solo. 

Em meados dos anos 1990, agricultores e técnicos passaram a discutir a viabilidade da integração lavoura-pecuária em virtude dos seguintes fatores: a consolidação do sistema plantio direto no Brasil, a incorporação da importância dos atributos biológicos do solo e, sobretudo, o desafio de diversificar as atividades agrícolas na propriedade e diminuir os custos de produção. Dessa forma, as espécies vegetais anteriormente usadas apenas como adubos verdes (plantas de cobertura do solo) passaram também a ser utilizadas como forragem para alimentação animal (ou, quem sabe, as plantas, originalmente forrageiras, utilizadas como adubos verdes e plantas de cobertura do solo, passaram também a ser utilizadas dentro de sua verdadeira vocação). 

Em 1992, um novo e amplo conceito de adubação verde foi lançado: 

[...] a utilização de plantas em rotação, sucessão ou consorciação com as culturas, incorporando-as ao solo ou deixando-as na superfície, visando a proteção superficial bem como a manutenção e melho­ria das características químicas, físicas e biológicas do solo, inclusive a profundidades significativas. Eventualmente, partes das plantas utilizadas como adubos verdes poderiam ter outras destinações como, por exemplo, produção de sementes, fibras, alimentação animal, etc. (Costa et al., 1992, p. 3). 

Esse novo conceito passou a ter uma “visão integral ou holística”, e atendia às demandas do solo (proteção e recuperação física, química e biológica), dos animais (forragens), do homem (alimentação, fibras, etc.) e do meio ambiente (diminuição dos impactos ambientais da agricultu­ra e o sequestro de carbono – C). 

A partir desse período, os adubos verdes (plantas de cobertura) ganharam maior impor­tância também pela grande expansão dos sistemas agroecológicos de produção, cujo objetivo era eliminar o uso de insumos externos à propriedade tanto para a adubação dos sistemas quanto para o manejo de plantas espontâneas. 

Dessa forma, o cultivo de plantas para adubação verde e cobertura do solo passou a ser um componente imprescindível para viabilizar qualquer tipo de sistema de produção sustentável, seja ele convencional, de transição ou agroecológico, assim como para o cultivo de qualquer espécie vegetal, seja ela para produção de grãos, fibras ou frutos, em cultivos extensivos ou in­tensivos (hortaliças), em cultivos anuais ou perenes, de clima tropical, subtropical ou temperado. 

Com o avanço dos estudos específicos sobre as espécies utilizadas e sobre os sistemas de manejo de cada uma delas, novas denominações foram registradas, embora elas deem mais ênfase a alguns efeitos importantes do seu cultivo. Assim, Barni et al. (2003) registraram a de­nominação “plantas recicladoras, recuperadoras, protetoras e melhoradoras” provavelmente para dar ênfase à capacidade de reciclagem, recuperação, proteção ou melhoramento do solo, das diferentes espécies; Carvalho (2005), Aguiar et al. (2006) e Spera et al. (2006) registraram a deno­minação “plantas condicionadoras” provavelmente para dar ênfase à capacidade das diferentes espécies em condicionar o solo a novos patamares de fertilidade (enfoque amplo). Apesar das novas denominações, a mais tradicional (adubo verde) e sua prática (adubação verde) parecem ser as que mais bem expressam o conjunto de tudo aquilo que se espera de uma espécie vegetal e de uma prática agrícola para a recuperação dos solos degradados ou para a conservação dos produtivos.


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Sistema Plantio Direto (SPD) na Soja


 

Sistema Plantio Direto (SPD)

O SPD é um sistema conservacionista de manejo do solo, fundamentado na mínima mobilização do solo, na sua cobertura permanente por culturas ou por seus resíduos e pela adoção de modelos de produção diversificados, baseados na rotação e consorciação de culturas. No Brasil, o SPD surgiu no início da década de 1970 a partir de experiências pioneiras de produtores do Paraná. No entanto, apenas a partir do final da década de 1980 a sua adoção cresceu exponencialmente, principalmente com o aprimoramento e o desenvolvimento de máquinas agrícolas adaptadas ao sistema, bem como de novas tecnologias para o manejo químico e cultural de plantas daninhas. Segundo a Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha e Irrigação (FEBRAPDP), foram cultivados em 2019 no Brasil cerca de 33 milhões de hectares em SPD (FEBRAPDP, 2019), sendo o País com a maior área de adoção desse sistema. É importante salientar, que o SPD é um sistema complexo que se ampara em diversas premissas, dentre elas a semeadura direta, ou seja, a operação de semeadura das culturas realizada sem preparo primário e secundário de solo.

Entretanto, para caracterizar o SPD e dispor de todos os benefícios que esse sistema pode proporcionar, não basta somente realizar a semeadura direta. Também se deve utilizar modelos de produção diversificados, capazes de adicionar fitomassa suficiente para cobrir permanentemente o solo e resultar em balanço positivo de carbono, incrementando assim o estoque de matéria orgânica do solo. Conjuntamente, também devem ser adotadas práticas mecânicas de controle da enxurrada, como semeadura em nível e uso de terraceamento.

Apesar do predomínio aparente do SPD em áreas de produção de soja no Brasil, os modelos de produção adotados são, na maioria dos casos, pouco diversificados. De forma geral, existe o predomínio de sistemas de sucessão de culturas, sendo os mais comuns os de trigo e soja na região subtropical e milho 2ª safra e soja na região tropical. Associado à ausência de sistemas de rotação de culturas, ainda se utiliza periodicamente o preparo do solo com arados, escarificadores e grades de discos.

Assim, na realidade, existe uma adoção parcial das premissas básicas do SPD e o predomínio de sistemas com baixa produção de resíduos vegetais e mobilização periódica do solo. Em decorrência disso é comum se observar áreas de produção de soja apresentando sintomas de degradação da estrutura do solo, com a formação de camadas compactadas, encrostamento superficial e perdas de solo, água e nutrientes por erosão, bem como aumento da ocorrência e dos danos ocasionados por pragas, doenças e plantas daninhas. Deste modo, é importante que o SPD seja utilizado de acordo com os seus princípios básicos, visando diminuir a maioria desses problemas e proporcionar melhorias significativas na conservação do solo e da água, bem como aumentar o aproveitamento dos recursos e insumos como os fertilizantes, proporcionando redução de custos, estabilidade de produção e melhoria das condições de vida do produtor rural e da sociedade. Para que esses benefícios aconteçam, tanto os agricultores quanto os responsáveis pela assistência técnica devem estar predispostos a mudanças, conscientes de que o SPD é importante para alcançar êxito e sustentabilidade na atividade agrícola.

Requisitos para a implantação e manutenção do SPD

Como em qualquer atividade agropecuária, o planejamento é fator importante para reduzir erros e riscos e aumentar a probabilidade de sucesso.

Tendo em vista que o SPD implica em mudanças profundas nos sistemas de produção de soja, bem como em custos para adequação das áreas, é importante que a sua adoção ocorra de maneira gradativa, aumentando-se a área sob esse sistema ano a ano.

O primeiro passo para a implantação do SPD envolve a realização de amostragem para análise química de solo. Em situações de baixo pH, baixa saturação por bases e elevados teores de alumínio, deve-se proceder a correção da acidez do solo mediante aplicação e incorporação de calcário pelo menos até 20 cm de profundidade. Essa etapa é essencial para o sucesso do sistema, pois após a implantação do SPD, as aplicações de corretivos de acidez serão realizadas somente em superfície.

A mesma lógica pode ser aplicada ao fósforo, considerando sua baixa mobilidade no solo e com isso a dificuldade de incrementar os teores em subsuperfície quando as aplicações ocorrem superficialmente ou em sulco de semeadura. Os critérios para amostragem de solo, correção da acidez e dos teores de fósforo são apresentados no capítulo 7 “Fertilidade do solo e avaliação do estado nutricional da soja”.

É importante ressaltar que a forma mais rápida de corrigir a acidez do solo até a profundidade de 20 cm é pela incorporação do calcário com arado de discos e grades aradoras. No entanto, existem vários trabalhos realizados em diferentes regiões do Brasil, mostrando que a transformação de áreas de pastagem natural ou cultivadas, diretamente para o cultivo de soja em SPD, pode ser feita a partir de correção superficial do solo, particularmente em áreas com menor acidez subsuperficial, como as de textura arenosa. Em se tratando de pastagens degradadas, normalmente faz-se necessário a sistematização da superfície, eliminando caminhos dos animais, cupinzeiros quando ocorrem e demais irregularidades de superfície do terreno que possam vir a comprometer a semeadura e principalmente a colheita. No caso do cultivo da soja em áreas com pastagens degradadas, principalmente em solos arenosos, com necessidade de correção da acidez em profundidade por meio da incorporação dos corretivos, a indicação atual é a utilização do Sistema São Mateus, desenvolvido pela Embrapa (Salton et al., 2013), que consiste na semeadura de uma espécie forrageira logo após o preparo do solo e a incorporação de calcário, gesso e fertilizantes. No ano seguinte, a partir da dessecação da pastagem, iniciar o cultivo de soja em SPD.

Áreas conduzidas sob preparo convencional por muitos anos apresentam, em geral, camadas compactadas (pé-de-arado ou pé-de-grade) em subsuperfície por causa do uso contínuo de preparo do solo com os mesmos implementos (arados ou grades) e nas mesmas profundidades.

Antes da implantação do SPD, essas camadas compactadas devem ser eliminadas, o que pode ser realizado por ocasião da incorporação dos corretivos de acidez ao solo. Nesse caso, o implemento deve ser regulado para trabalhar numa profundidade um pouco maior do que a correspondente a camada compactada.

O preparo do solo para incorporação de corretivos e fertilizantes, bem como para a descompactação, deve ser realizado antes da implantação de culturas de cobertura do solo, com rápido crescimento inicial, grande potencial de produção de fitomassa e sistema radicular abundante e profundo, visando diminuir os riscos de perdas de água, solo e nutrientes por erosão hídrica na fase de estabelecimento do SPD. Com o mesmo objetivo, deve-se evitar a realização das operações de preparo do solo no início do período chuvoso, quando a probabilidade de ocorrência de precipitações pluviométricas de alta intensidade e alto potencial erosivo é maior. Na maioria das situações, indica-se que essas operações sejam realizadas após a colheita da safra de verão e antes da semeadura de espécies de cobertura no outono-inverno ou 2ª safra. Nesse contexto, as espécies mais indicadas para cultivo após a incorporação dos corretivos e fertilizantes são as gramíneas forrageiras.

A sistematização da área também faz parte do planejamento a ser adotado.

Nesse quesito deve-se prever a construção ou readequação deterraços e estradas, a divisão de talhões, a retirada de pedras, tocos e raízes, assim como a realização de ajustes no microrrelevo, como a eliminação de sulcos de erosão. É fundamental que essas operações sejam executadas previamente ao estabelecimento do SPD, visto que depois não são previstas operações de mobilização de solo. Além disso, a construção de terraços ou mesmo correções de microrrelevo realizadas com deslocamento da camada superficial do solo resultam em desuniformidade da fertilidade do solo, que é mais facilmente corrigida antes da implantação do SPD.

A adoção do SPD de forma isolada não é, na maioria das situações, condição suficiente para o controle efetivo das perdas de água, solo e nutrientes por erosão hídrica. A cobertura do solo por resíduos vegetais e/ ou plantas vivas no SPD apresenta potencial para dissipar em até 100% energia cinética gerada pelo impacto da gota da chuva e, assim, praticamente  eliminar a erosão entre sulcos (Kochhann et al., 2005). Entretanto, de acordo com os mesmos autores, a cobertura do solo não apresenta a mesma eficácia na dissipação da energia cinética decorrente da ação cisalhante da enxurrada, responsável pela erosão em sulcos. Desse modo, a ocorrência de chuvas com intensidade superior à capacidade de infiltração de água do solo, associada a topossequências com grandes comprimentos de declive, condições comuns a grande parte das áreas de produção de soja no Brasil, podem resultar no arraste dos resíduos presentes na superfície do solo e, consequentemente, em escoamento superficial de água mesmo em áreas manejadas sob SPD. Nessas situações, o controle da enxurrada no SPD deve ser feito por meio da segmentação do comprimento do declive com a utilização de práticas como o terraceamento e a realização de todas as operações mecanizadas em nível. A falta de manutenção ou eliminação parcial ou total dos terraços, sem critério técnico, associada à realização das operações mecanizadas paralelamente ao declive, com o objetivo de economizar insumos e tempo, pode resultar em elevadas perdas de água, solo e nutrientes por erosão hídrica mesmo em SPD, comprometendo a sustentabilidade do sistema de produção de soja.

O dimensionamento dos terraços por meio de métodos empíricos desenvolvidos para áreas manejadas em preparo convencional é inadequado para as condições de SPD, por causa do reduzido espaçamento horizontal entre os mesmos, o que dificulta a realização das operações mecanizadas e aumenta os gastos com insumos, sendo uma das razões que levam os produtores à eliminação dos terraços. A maior capacidade de infiltração de água do solo, associada à dissipação da energia cinética do impacto da gota de chuva e da ação cisalhante da enxurrada, permite aumentar a distância entre os terraços no SPD, o que deve ser feito a partir de modelos e critérios desenvolvidos e validados para as condições edafoclimáticas brasileiras. Uma das opções disponíveis para dimensionamento dos terraços em SPD é o método do volume de enxurrada esperado, com o uso do programa computadorizado “Terraço 4.1” (Pruski, 2015), cujos princípios já foram validados em condições de campo pela Embrapa Trigo (Denardin et al., 2005).

Cobertura do solo

O SPD tem como uma de suas principais premissas a cobertura permanente do solo, tanto pelos resíduos das culturas de interesse econômico quanto daquelas cultivadas com o intuito de produzir palha e proporcionar cobertura do solo. A situação mais adequada é obtida quando se consegue conciliar produtividade e rentabilidade com as condições adequadas para manutenção de SPD com qualidade. No entanto, a cultura da soja produz reduzida quantidade de palha e de rápida decomposição visto sua baixa relação C/N. Assim, é essencial o planejamento dos modelos de produção associando a soja com culturas que proporcionem elevada produção de fitomassa, de forma a permitir adequada cobertura do solo e ainda proporcionar suficiente adição de carbono ao solo para que o balanço do sistema seja positivo e com isso incrementar o teor de matéria orgânica do solo.

A combinação de soja e milho na segunda safra, amplamente adotada em estados como o PR, MS, MT e GO, tem contribuído para maior adição de palha ao sistema, representando um grande avanço em relação à monocultura da soja no verão seguida de pousio na entressafra. No entanto, a palha do milho na 2ª safra, mesmo adicionada em quantidades relativamente altas, em geral não apresenta alto potencial de cobertura do solo. O que se observa é que os colmos e demais partes da planta do milho, após a colheita, não conferem adequada cobertura do solo e, com isso, tem-se o efeito negativo das chuvas e radiação solar sobre o solo, além de permitir o estabelecimento de plantas daninhas. Portanto, faz-se necessário arranjar a soja em modelos de produção diversificadose adequados às condições edafoclimáticas de cada região, de forma que possibilitem atender as condições para permanente cobertura do solo. Nesse sentido, uma alternativa para aumentar a cobertura do solo no sistema soja-milho 2ª safra é o cultivo do milho em consórcio com espécies de braquiária. Outra opção envolve a implantação de culturas com ciclo curto, como o milheto e o nabo forrageiro, preenchendo oespaço entre culturas de interesse econômico. Dentre as possibilidades, deve-se sempre que possível utilizar espécies forrageiras que, além de proporcionar cobertura do solo, possibilitam ganhos com a integração  lavoura-pecuária.

As espécies não comerciais ou forrageiras usadas como cobertura de solo em SPD devem ter adaptação às condições ambientais particulares de cada região. Ainda, é importante levar em consideração as seguintes características: potencial de produção de fitomassa; persistência da palhada na superfície do solo, determinada pela relação C/N e pela presença de compostos orgânicos de difícil decomposição, como a lignina; ciclo da cultura adequado às janelas de cultivo; não se tornar invasora nas culturas comerciais; apresentar sistema radicular abundante e profundo; não servir de hospedeiras de pragas e fitopatógenos; e ser de fácil manejo, seja químico ou mecânico. Informações adicionais sobre os requisitos para a escolha de espécies vegetais na composição de modelos de produção envolvendo a soja podem ser encontradas no capítulo 5 “Diversificação de espécies vegetais em sistemas de produção” e no capítulo 6 “Soja em sistema Integração Lavoura-Pecuária”.

É importante reforçar que a fitomassa das espécies escolhidas para formação de cobertura morta do solo deve apresentar elevada persistência, principalmente em se tratando de regiões tropicais com solos de textura média a arenosa. Como exemplo, pode-se citar o milheto, que possui alta capacidade de produção de fitomassa em curto período, mas que após o manejo químico ou mecânico apresenta acelerada decomposição.

Nessas condições, espécies de braquiária podem fornecer palha com maior longevidade, e dependendo do sistema adotado na propriedade, onde se tem atividade mista com pecuária, deve-se considerar a permanência dessas por mais de um ano, em rotação com a soja (ver capítulo 6, ”Soja em sistema Integração Lavoura-Pecuária”). No caso de espécies leguminosas, cuja inserção em modelos de produção é importante pela capacidade das mesmas em adicionar nitrogênio ao sistema via fixação biológica, mas que apresentam, de modo geral, rápida decomposição da fitomassa, o consórcio com espécies gramíneas é uma opção viável para aumentar a persistência da palhada sobre o solo.

Manejo dos resíduos das culturas e das plantas de cobertura do solo

A fragmentação e a distribuição dos resíduos culturais no momento da colheita é uma etapa importante na condução do SPD. Essa etapa deve ser realizada de modo que a cobertura do solo pelos restos culturais seja uniforme, sem dificultar a operação de semeadura da cultura subsequente.

Primeiramente, deve-se evitar a fragmentação excessiva, que demanda mais potência da colhedora, elevando o consumo de combustível e diminuindo o rendimento da operação, além de acelerar a decomposição dos resíduos no solo, proporcionando assim menor tempo de cobertura do mesmo. Resíduos culturais como os da soja têm decomposição rápida, sendo assim, é importante regular o picador de palha das colhedoras para mínima ação, o suficiente para fazer a distribuição sobre o solo. Éfundamental que os resíduos sejam distribuídos na mesma largura que a faixa de corte da plataforma da colhedora, para que sejam eficientes na cobertura do solo e não causem faixas de concentração de nutrientes após sua decomposição. Além disso, a distribuição desuniforme dos restos culturais na colheita pode dificultar o controle de plantas daninhas, protegendo-as do contato com os herbicidas aplicados via pulverização (efeito “guarda-chuva”) e a semeadura da cultura subsequente. Atualmente, o atendimento desse requisito tem se tornado um desafio, visto que as colhedoras estão cada vez maiores, com plataformas de corte que podem chegar a 45 pés (13,7 m).

No caso do milho, as plataformas de colheita (despigadoras) recolhemsomente a espiga e parte do colmo e das folhas, que passam pela trilha e pela separação, até serem distribuídos ao solo por mecanismo específico, sem triturar. A presença de colmos sem triturar, concentrados na linha de semeadura, associada à alta persistência dos restos culturais de milho em razão da sua elevada relação C/N, pode dificultar o processo de semeadura e o estabelecimento da cultura em sucessão, principalmente em situações onde a produção de palhada do milho é alta e o intervalo entre a colheita dessa cultura e a semeadura da espécie subsequente é reduzido. Sob essas condições, bastante comuns em áreas onde o milho é cultivado como safra de verão e na sequência cultivam-se espécies como Phaseolus vulgaris (feijão comum); Avena sativa (aveia); Triticosecale (triticale); Secale cereale (centeio); Brassica napus L. var. oleifera (canola) e Triticum aestivum (trigo), indica-se o manejo da resteva do milho com o uso de roçadoras, equipamentos para triturar ou, preferencialmente, do rolo-faca, com o intuito de permitir a semeadura dessas culturas de forma adequada. O uso de grade niveladora para fragmentar e uniformizar a distribuição dos resíduos de milho deve ser evitado, pois aumenta a suscetibilidade do solo à erosão e acelera o processo de mineralização da matéria orgânica do solo.

O manejo que comumente tem se aplicado às culturas que tem função exclusiva de cobertura do solo ou àquelas que também atendem a finalidade de forrageiras é a interrupção do ciclo por meio de manejo químico, com a dessecação feita com herbicida de ação total (vide capítulo 11 “Plantas daninhas e seu controle”). Algumas espécies podem demandar aplicações sucessivas, envolvendo herbicidas de diferentes mecanismos de ação. Em algumas situações é possível utilizar o manejo mecânico com rolo-faca, roçadora ou trituradores, isolado ou associado ao manejo químico. Além da redução do uso de herbicidas, o manejo mecânico apresenta ainda a vantagem de posicionar os resíduos na superfície do solo, formando uma camada protetora, o que, em geral, aumenta a eficiência da cobertura na conservação do solo e no manejo de plantas daninhas, além de melhorar a qualidade e aumentar o rendimento da operação de semeadura da cultura seguinte, impedindo que a palha “em pé” cause embuchamento da semeadora ou enrosque em correntes. Em regiões tropicais, onde as condições de clima quente e úmido favorecem a rápida decomposição da palha, o manejo mecânico da fitomassa por meio de roçadoras e trituradores deve ser restrito a situações onde os restos culturais possam prejudicar a qualidade e o rendimento da operação de semeadura da cultura subsequente. Nas demais situações, principalmente quando a fitomassa das espécies vegetais apresenta rápida decomposição (por exemplo, leguminosas), o manejo via roçadora ou trituradores deve ser evitado, pois a fragmentação excessiva acelera a decomposição dos restos culturais, diminuindo ainda mais o tempo de permanência na superfície do solo, o que se constitui em dos principais fatores limitantes ao SPD nas regiões tropicais. Por outro lado, em regiões frias, onde a decomposição dos resíduos vegetais é lenta, a fragmentação dos mesmos pode ser vantajosa, especialmente para espécies com maior relação C/N, acelerando a mineralização dos nutrientes e sua disponibilização para as culturas subsequentes.

Cada espécie apresenta um momento ideal para manejo, de forma a atender a elevada produção de fitomassa e adição de nutrientes sem deixar sementes que podem torná-las invasoras nos cultivos de interesse econômico. Em geral, para a maioria das espécies anuais cultivadas para cobertura do solo, o manejo químico ou mecânico é indicado quando as mesmas encontram-se entre a floração plena e o início da formação das

sementes. A exceção ocorre para a aveia, para a qual a melhor época para manejo é a fase de grãos leitosos. Nesses estádios, as espécies geralmente exibem maior acúmulo de matéria seca e nutrientes, além de não apresentarem ainda sementes viáveis que possam infestar as culturas subsequentes.

Outro aspecto importante se refere ao intervalo entre o manejo químico ou mecânico da espécie vegetal e a semeadura da cultura subsequente.

O manejo com muita antecedência pode representar necessidade de reaplicação de herbicidas, além de resultar em reduzida cobertura do solo, o que aumenta a infestação de plantas daninhas e favorece as perdas de água e solo por erosão hídrica. Por outro lado, um intervalo pequeno entre o manejo da espécie de cobertura ou pastagem e a implantação da cultura seguinte pode comprometer a qualidade da operação de semeadura, aumentando a ocorrência de embuchamentos e de falhas ocasionadas por sementes descobertas e/ou com pouco contato com o solo por causa da incorporação de palha no sulco de semeadura. Nesse caso, o estabelecimento e o desenvolvimento inicial da cultura subsequente também podem ser prejudicados pelo efeito físico do sombreamento da palhada e pela liberação de aleloquímicos.

A definição do intervalo entre o manejo mecânico ou químico e a semeadura da próxima cultura deve levar em consideração a espécie vegetal antecessora, a quantidade de fitomassa no momento do manejo, os herbicidas utilizados na dessecação e as condições de chuva e temperatura no período. Para a maioria das espécies vegetais, esse intervalo deve ser o suficiente para que a fitomassa das mesmas seque por completo, facilitando o corte da palhada pelos discos da semeadora. Caso o manejo químico envolva a aplicação de 2,4-D, deve-se observar um interval o mínimo de 10 dias entre a dessecação e a semeadura, visando evitar efeitos fitotóxicos do herbicida na soja. No caso de espécies vegetais que podem exercer efeito alelopático negativo sobre a soja, esse período deve ser maior. É o caso, por exemplo, da canola, cujo intervalo entre a colheita e a semeadura da soja deve ser de pelo menos 20 dias (Silva et al., 2011). Quando a quantidade de fitomassa é muito elevada, de modo a prejudicar a semeadura e o estabelecimento da soja, o intervalo entre o manejo e a semeadura também deve ser aumentado. Como exemplo, tem-se que o intervalo adequado entre a dessecação da braquiária brizantha e a semeadura da soja pode chegar a até 45 dias quando a forrageira apresenta grandes quantidades de fitomassa, superiores a 10 t/ha (Debiasi; Franchini, 2012). instituições mostram que, nos primeiros anos após a adoção do SPD, a produtividade da soja nesse sistema é semelhante ou mesmo inferior ao preparo convencional (fase de estabilização). No entanto, com o passar do tempo, quando se alcança a estabilização do SPD e a expressão dos benefícios como incremento na matéria orgânica do solo e todos os aspectos positivos decorrentes disso, a resposta positiva em produtividade das culturas comerciais torna-se evidente. Estudos com base em experimentos de longo prazo, realizados pela Embrapa Soja, mostram que a duração da fase de estabilização do SPD é dependente da complexidade do modelo de produção adotado, relacionada à diversificação de culturas e à quantidade de fitomassa anualmente adicionada. Assim, a fase de estabilização do SPD pode variar de 6 a 12 anos dependendo do modelo de produção adotado. Nos modelos de produção diversificados e com alta adição de fitomassa o período é de aproximadamente 6 anos. Nos modelos de produção pouco diversificados e com baixa adição de fitomassa, a fase de estabilização persiste por até 12 anos (Franchini et al., 2012). Isso demonstra a relevância do esforço sucessivo e continuado para com a adequada condução do SPD, de forma que as melhorias alcançadas ao longo do tempo não sejam perdidas no curto prazo a partir da retomada de preparos de solo ou mesmo quando o balanço de carbono passa a ser negativo, acarretando em perda de matéria orgânica. O simples uso de grade para incorporar sementes de plantas de cobertura, combater plantas daninhas ou manejar resteva pode proporcionar perda de carbono equivalente a alguns anos de acúmulo.

É importante que seja feito um acompanhamento periódico dos indicadores de fertilidade e acidez do solo por meio de análise de solo. Como não são previstos preparos de solo a partir da implantação do SPD, as aplicações de corretivo passam a ser na superfície, o que limita a quantidadea ser distribuída em cada aplicação, tornando-as mais frequentes. Com relação a atributos físicos do solo, são perceptíveis as alterações em relação ao sistema convencional de preparo, como aumento da densidade do solo, em muitos casos em decorrência da redução da macroposidade.

Também é comum a elevação da resistência do solo à penetração (RP), medida por meio de penetrômetros. No entanto, para avaliar se tais terações estão além do tolerado pelas culturas é preciso observar se as mesmas estão comprometendo o seu desempenho e limitando o seu desenvolvimento radicular. O melhor indicador de compactação do solo é a produtividade obtida pelas culturas e a estabilidade de produtividade ao longo do tempo, principalmente diante da ocorrência de déficit hídrico.



sábado, 7 de maio de 2022

Rotação de Culturas na Soja

 

Informações gerais

A monocultura ou mesmo o sistema contínuo de sucessão do tipo trigo-soja ou milho safrinha-soja, tende a provocar a degradação física, química e biológica do solo e a queda da produtividade das culturas, além de proporcionar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de doenças, pragas e plantas daninhas. Assim sendo, onde há o predomínio da monocultura de soja entre as culturas anuais é necessário a introdução, no sistema agrícola, de outras espécies, de preferência gramíneas, como milho, pastagem e outras.

A rotação de culturas, processo de cultivo para a preservação ambiental, influi positivamente na recuperação, manutenção e melhoria dos recursos naturais. Viabiliza produtividades mais elevadas, com mínima alteração ambiental, além de preservar ou melhorar as características físicas, químicas e biológicas do solo e auxiliar no controle de plantas daninhas, doenças e pragas. Além disso, repõe restos orgânicos e protege o solo da ação dos agentes climáticos ajudando a viabilização da semeadura direta e seus efeitos benéficos sobre a produção agropecuária e o meioambiente como um todo.

Conceito

A rotação de culturas consiste em alternar espécies vegetais no correr do tempo, numa mesma área agrícola. As espécies escolhidas devem ter propósito comercial e de manutenção ou recuperação do meio-ambiente. Para a obtenção de máxima eficiência da capacidade produtiva do solo, o planejamento de rotação deve considerar, além das espécies comerciais, aquelas destinadas à cobertura do solo, que produzam grandes quantidades de biomassa, cultivadas quer em condição solteira ou em consórcio com culturas comerciais.

Planejamento da lavoura

O planejamento é imprescindível, pois as tecnologias a serem usadas devem ser praticadas em conjunto. Dentre as já à disposição dos agricultores, destacam-se:

s sistema regional de conservação do solo em microbacias;

s calagem e adubação;

s cobertura vegetal do solo;

s processos de cultivo: preparo do solo, época e densidade de semeadura, cultivares adaptadas, qualidade e tratamento de sementes, população de plantas, controle de plantas daninhas, pragas e doenças;

s semeadura direta;

s integração agropecuária

s silvicultura.

Escolha do sistema de rotação de culturas

O uso da rotação de culturas conduz à diversificação das atividades na propriedade, que pode ser exclusivamente de culturas anuais ou culturas anuais e pastagens, o que demanda planejamento da propriedade a médio ou mesmo a longo prazos. A escolha das culturas e do sistema de rotação deve ter flexibilidade, de modo a atender às particularidades regionais e as perspectivas de comercialização dos produtos. A rotação possibilita o estabelecimento de esquemas que envolvam apenas culturas anuais, tais como soja, milho, arroz, sorgo, algodão, feijão e girassol ou de culturas anuais e pastagem. As espécies vegetais envolvidas na rotação devem ser consideradas do ponto de vista de sua exploração comercial ou se destinadas somente à cobertura do solo e adubação verde. Opções de espécies para sucessão e rotação de cultura envolvendo a soja são apresentadas no Capítulo 3. Esse processo aumenta o nível de complexidade das tarefas na propriedade e exige que sejam seguidos princípios básicos que considerem a aptidão agrícola de cada gleba. A adoção do planejamento deve ser gradativa para não causar transtornos organizacionais ou econômicos ao produtor. A área destinada à implantação dos sistemas de rotação deve ser dividida em tantas glebas quantos forem os anos de rotação e após essa definição deve-se estabelecer o processo de implantação sucessivamente, ano após ano, nos diferentes talhões previamente determinados. Assim procedendo, os cultivos são feitos em faixas, constituindo-se também em processos de conservação do solo. É necessário considerar ainda, que não basta apenas estabelecer e conduzir a melhor sequência de culturas, dispondo-as nas diferentes glebas da propriedade. É necessário, também, que o agricultor utilize todas as demais tecnologias à sua disposição, entre as quais, técnicas específicas para controle de erosão, calagem, adubação, qualidade e tratamento de sementes, época e densidade de semeadura, cultivares adaptadas, controle de plantas daninhas, pragas e doenças.

Escolha da rotação de culturas no Paraná

No Paraná, as sequências de culturas indicadas para anteceder ou suceder à cultura principal, na composição de sistema de rotação com soja e trigo, estão relacionadas, em ordem de preferência, na Tabela 2.1. Estão relacionadas também, as espécies que podem ser usadas em condições especiais. Aquelas anotadas com restrição de cultivo devem ser evitadas.

Em áreas onde ocorre o cancro da haste da soja, além de outras medidas de controle, como o uso de cultivares resistentes à doença e tratamento de sementes, o guandu e o tremoço não devem ser cultivados antecedendo a soja. O guandu, apesar de não mostrar sintomas da doença durante o estádio vegetativo, reproduz o patógeno nos restos culturais. Além disso, após o consórcio milho/guandu, indicado para a recuperação de solos degradados, deve-se usar, sempre, cultivar de soja resistente ao cancro da haste. O tremoço é altamente suscetível ao cancro da haste.

Cobertura vegetal do solo

A escolha de espécies para cobertura vegetal do solo, quer como adubo verde, quer como cobertura morta, deve ser feita no sentido da produção de grande quantidade de biomassa. Além disso, devese dar preferência para plantas fixadoras de nitrogênio, com sistema radicular profundo ou abundante, promotoras de reciclagem de nutrientes, capazes de se nutrir com os fertilizantes residuais das culturas comerciais e que não sejam hospedeiras de pragas, doenças e nematoides ou apresentem efeito alelopático para as culturas comerciais.

No verão, são indicadas para cobertura verde: lab-lab, mucunas, guandu e crotalárias, em cultivo solteiro ou em consórcio com o milho. Indica-se o uso do consórcio milho + guandu gigante ou milho + mucuna preta, em rotação com soja, somente para solos degradados, situados no norte e no centro-oeste do Paraná, nos quais as culturas comerciais apresentem baixos rendimentos, não sendo indicado para as demais zonas, especialmente as de clima mais frio. Esse sistema deve ser usado por, no máximo, duas safras. Após esse período, o sistema de rotação deve ser substituído por milho solteiro.

O milho deve ser precoce, semeado até o início de outubro. O guandu forrageiro deve ser semeado 25 a 35 dias após a semeadura do milho, utilizando semeadoura regulada no mesmo espaçamento da soja, em duas linhas, nas entrelinhas do milho, com densidade de 30 a 35 sementes por metro linear, para germinação de 70% a 75% e sempre internamente às linhas do milho. Nesse processo, a umidade do solo deve ser favorável à germinação, pois é o principal fator de sucesso do sistema. No cultivo do milho, como o solo fica com a superfície irregular, deve-se tomar cuidado na semeadura do guandu que, embora não exigindo semeadura profunda, necessita de boa cobertura da semente. Na semeadura direta do guandu, podem ser usados alguns modelos de plantadoras, exceto aquelas em que as linhas coincidem com as do milho e aquelas com rodas limitadoras de profundidade muito largas; neste caso, deve-se substituir por rodas de menor largura.

A mucuna preta é semeada manualmente, na prematuração do milho, no espaçamento indicado para o guandu e com densidade de semeadura de cinco sementes por metro linear.

A colheita do milho deve ser feita logo após a maturação, regulando a plataforma de corte da colhedora saca-espiga, o mais alto possível.

O manejo da cobertura vegetal do milho + guandu ou milho + mucuna deve ser feito em meados de abril, no norte, e em fins de abril, no centro-oeste do Paraná, a fim de possibilitar o cultivo de inverno. O guandu deve ser sempre manejado antes do início do florescimento.

O rolo-faca tem sido muito eficiente no manejo dessas espécies, no sistema de semeadura direta.

O milheto em consórcio com guandu pode ser semeado no espaçamento de 34 cm, usando para cada 100 quilogramas de sementes, a mistura de 20 kg de milheto (20%) e 80 kg (80%) de guandu. Regular a semeadora para 22 a 27 sementes/metro linear de guandu. No caso de utilizar espaçamento diferente de 34 cm, devese fazer o cálculo da quantidade da mistura de sementes sempre pelo guandu, para cerca de 50 sementes/m2, mantendo as percentagens 80% para guandu e 20% para milheto.

O depósito da semeadora deve ser abastecido até a metade de cada vez, para evitar o acúmulo de sementes de tamanho menor (milheto) no fundo do depósito.

O girassol é outra alternativa interessante no sistema de rotação, principalmente por melhorar as condições físicas do solo. Mas deve ser cultivado com intervalo mínimo de três anos na mesma área, especialmente se forem constatadas as presenças de Sclerotinia sclerotiorum e/ou do nematoide na soja.


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