AGRICULTURA BRASILEIRA EM FOCO: clima, solos, plantio, irrigação, tratos culturais, controle de pragas e doenças, colheita, comercialização e muito mais
O café é uma espécie arbustiva de crescimento contínuo, com desenvolvimento vegetativo e com característica fisiológica denominada “dimorfismo de ramos”, que é a emissão ou formação de dois tipos de ramos com diferentes funções, a partir do tronco principal (Figura 1).
O ramo vertical que forma a haste ou tronco é denominado ortotrópico, sendo este um ramo improdutivo; sua principal função é formar e sustentar os ramos produtivos, bem como, promover a recuperação da planta em caso de traumas ou podas. No ramo ortotrópico se encontram dois tipos de gemas vegetativas, as “seriadas” e as “cabeça-de-série”. As gemas seriadas dão origem somente aos ramos “ladrões”, e as gemas cabeça-de-série dão origem aos ramos “horizontais”, chamados plagiotrópicos (Figura 1). A gema formadora do ramo ortotrópico é seriada (múltipla), ou seja, se um ramo for eliminado, a planta pode emitir naquele mesmo lugar outros ramos ortotrópicos.
Figura 1. Ramificações do cafeeiro
Plagiotrópicos são os ramos laterais que crescem com inclinação entre 45º e 90° em relação ao ramo principal, ou seja, nascem e crescem na direção horizontal, perpendicularmente ao ramo ortotrópico, formando a copa do cafeeiro (Figura 1). Esses são os ramos produtivos, ou seja, onde serão formados os botões florais e, consequentemente, os frutos do cafeeiro. O ramo plagiotrópico também possui dois tipos de gemas, as “seriadas” e as “cabeça- de-série”. As gemas seriadas podem originar frutos e ramos plagiotrópicos de ordem secundária, já as gemas cabeça-de-série dão origem apenas aos ramos plagiotrópicos de ordem secundária. A gema formadora do ramo plagiotrópico é única, ou seja, jamais surge mais de um ramo plagiotrópico no mesmo lugar, dessa forma, se um ramo perecer, não nascerá outro no seu lugar.
A perda dos ramos plagiotrópicos decorrente da má condução da lavoura, ataque de pragas ou doenças, ou da ocorrência de secas ou geadas, favorece a incidência de luz no interior da copa da planta, estimulando, assim, as gemas seriadas adormecidas, induzindo a brotação de ramos ortotrópicos, denominados “ramos ladrões”, os quais crescem paralelamente ao tronco e competem com os ramos produtivos por luz, água e nutrientes (Figura 1). Nesse caso, é fundamental realizar a desbrota logo após a colheita e/ou poda para manter a copa homogênea e, assim, evitar a competição por fotoassimilados, bem como facilitar a colheita.
O café arábica leva 2 anos para completar o ciclo fenológico (Tabela 1).
No primeiro ano, durante os meses em que os dias se tornam mais longos (primavera e verão), ocorrem a vegetação e a formação das gemas florais, ou seja, são formados os ramos plagiotrópicos com as gemas vegetativas axilares nos nós do ramo ortotrópico. No outono, quando os dias começam a encurtar, e durante o inverno, período de dias mais curto do ano, as gemas vegetativas axilares são induzidas, por fotoperiodismo, em gemas produtivas.
Essas gemas amadurecem, entram em dormência e se tornam aptas para antese (abertura dos botões florais) logo após a ocorrência de irrigação ou de precipitação de no mínimo 10 mm.
O segundo ano fenológico começa com a florada, que acontece cerca de 10 a 15 dias após a ocorrência de precipitação (ou irrigação), seguida pela formação do “chumbinho” e a expansão dos grãos até atingir o tamanho final, com posterior granação (enchimento) e maturação dos frutos.
O cafeeiro possui sistema radicular pivotante, sendo que cerca de 90% das raízes se encontram nos primeiros 40 cm de profundidade do solo, mas também podem ser encontradas até 2 m de profundidade. O fruto é uma drupa ovoide e, quando maduro, pode apresentar exocarpo vermelho, amarelo ou vermelho-alaranjado, denominado cereja. A má-formação do fruto ou da semente pode ocasionar quatro tipos de anomalias:
1. “Moca” – um óvulo se desenvolve e o outro atrofia, formando uma única semente.
2. “Chocho” – os lóculos não se desenvolvem, tendo apenas vestígios dos óvulos ou sementes.
3. “Concha e parte interna” – dois ou mais óvulos se desenvolvem conjuntamente no mesmo lóculo do fruto, também denominado de “monstro”.
4. “Triângulo” – grão de formato triangular, que se desenvolve no fruto com três ou mais sementes.
Ressalta-se que, na tabela de equivalência de defeitos, os grãos “moca” e “triângulo” não são considerados defeitos que depreciam o tipo café.
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, responsável por 45% da produção mundial, produzindo 47,71 milhões de sacas beneficiadas em 2021, sendo 31,4 milhões de café arábica (Coffea arabica L.). Em 2022 estima-se uma produção de café arábica de aproximadamente 29 sacas por hectare, o que representará um aumento de 10 % em relação à safra 2021, porém uma redução de aproximadamente 13% relativamente ao obtido na safra 2020, ano de bienalidade positiva, assim como 2022. Apesar de muitas lavouras apresentarem bom desenvolvimento vegetativo em função da boa distribuição hídrica e temperatura ocorridas a partir de outubro de 2021, esse decréscimo se deve aos reflexos das condições adversas, como estiagem prolongada e intensas geadas, registradas entre junho e setembro de 2021, período no qual o potencial produtivo da safra de 2022 foi estabelecido.
Essas adversidades climáticas ocorridas em algumas regiões, afetaram consideravelmente a viabilidade de “pegamento” dos chumbinhos, mesmo quando as primeiras floradas ocorreram em boa intensidade, pois essas adversidades climáticas propiciaram maiores abortamentos de frutos e, consequentemente, diminuição na expectativa de produtividade.O estado de Minas Gerais concentra a maior área de produção da espécie arábica, com 1.323,2 mil hectares, o que representa 72,8% da área cultivada no país. Desta forma, o estado é o maior produtor nacional, e responde por 20% da produção mundial. Quando considerada a cadeia produtiva do café, ela gera aproximadamente quatro milhões de empregos no estado, envolvendo desde a produção de insumos até o preparo para consumo. A cafeicultura gera divisas, renda e qualidade de vida para os mineiros envolvidos nessa atividade já que aproximadamente 600, entre os 853 municípios do estado, têm na cafeicultura sua principal atividade econômica. Minas Gerais tem quatro regiões cafeeiras que se destacam como as principais: Matas de Minas (Zona da Mata/Rio Doce), Sul de Minas (Sul/Sudoeste), Cerrado de Minas (Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba) e Chapada de Minas (Vale do Jequitinhonha/Mucuri).
As Matas de Minas se destacam por apresentar atualmente um expressivo aumento de área cultivada, bem como lavouras com bom vigor vegetativo, ou seja, bem enfolhadas, com bom aspecto nutricional e sem sinais de incidências relevantes de pragas e doenças, reflexo das chuvas abundantes na região a partir de outubro de 2021 e dos maiores cuidados com os tratos culturais em função dos bons preços de comercialização do café. Estima-se que a produtividade média em 2022 na região seja superior à de 2021 (ano de bienalidade negativa), mas sem alcançar o máximo potencial produtivo de ciclo de bienalidade positiva, pois a escassez pluviométrica no período anterior a florada associada as baixas reservas nutricionais e hídricas no momento das primeiras floradas, contribuíram para a má formação dos frutos e, consequentemente, queda do potencial produtivo.
Os cafés produzidos na região das Matas de Minas podem alcançar alta qualidade, uma vez que sua característica principal é o relevo montanhoso, cuja altitude varia desde 174 até 2.829 metros, sendo que 78% das áreas da região estão compreendidas entre a altitude de 400 e 1.000 metros. Abaixo de 400 metros encontra-se 13% da área e as maiores altitudes, acima de 1.000 metros, encontradas principalmente nas serras do Brigadeiro e do Caparaó, representam 9% da área total. Tal característica faz com que a altitude média da região seja de 697 metros, o que proporciona temperaturas mais amenas à região. Tais características, favorecem a produção de cafés de qualidade com atributos e diversidade de sabores, que tem garantido prêmios em concursos nacionais e internacionais.
Ressalta-se que a temperatura é uma das características mais marcantes, dentre todos os elementos climáticos que caracterizam o clima da região, o qual é considerado como temperado úmido, favorável a formação de neblina, com inverno seco e verão ameno no qual a temperatura média do mês mais quente é inferior a 22 ºC e durante pelo menos quatro meses é superior a 10 ºC. Tais características são de relevante importância no ciclo do cafeeiro, e consequentemente, na qualidade final do produto.
O Sul de Minas apresenta clima e relevo favoráveis a cafeicultura, com temperaturas amenas, que variam entre 18 ºC e 20 ºC, e altitudes elevadas de até 1.400 metros, sujeito a geadas, com moderada deficiência hídrica. Nessa região uma parte da Serra da Mantiqueira que fica no estado se destaca pelos vários prêmios obtidos na produção de cafés de qualidade, raros e surpreendentes devido ao terroir e a tradição da produção artesanal herdada por gerações.
O Cerrado Mineiro que é formado por municípios ao longo do Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro, Alto São Francisco, Noroeste e Norte de Minas; apresenta clima mais seco durante na época da colheita, o que contribui para qualidade final do grão. O relevo é representado por áreas de altiplano, com altitude que variam de 820 m a 1.100 m, e o clima caracterizado como ameno sujeito a geadas de baixa intensidade.
A Chapada de Minas é uma região que compreende as áreas geográficas delimitadas, por parte das regiões do Jequitinhonha, Alto Jequitinhonha, Nortee Minas, Mucuri e Rio Doce. De grande extensão territorial, apresenta relevo de Planalto com altitude média de 850 metros e áreas de espigão elevado, com altitude de até 1.099 m, isentas de geada, com baixo índice de insolação.
A temperatura é amena, e mais de 70% da área plantada são aptas a mecanização, sendo suas características ideais para o cultivo do café arábica.
De modo geral o estado tem vocação para a cafeicultura, sendo que suas quatro principais regiões produtoras apresentam características climáticas que favorecem a produção do grão. Todavia, não se pode esquecer que a adoção correta das tecnologias pelo produtor é primordial para assegurar a máxima produtividade e qualidade no processo produtivo. O cafeeiro é uma planta perene, e erros na sua implantação acarretarão prejuízos ao longo de todo o ciclo de vida da cultura. Cerca de 90% dos erros encontrados nos cafezais são, geralmente, provenientes de mudas malformadas e implantação incorreta da lavoura. Assim, para formar e explorar o cafezal com rendimentos compensadores, é prudente e recomendável o máximo de atenção, já que os bons resultados desejados pelo produtor não são apenas nos aspectos produtivos, mas também nos econômicos.
O plantio da mandioca é realizado com manivas ou manivas-semente, também denominadas manaíbas ou toletes ou rebolos, que são pedaços das hastes ou ramas do terço médio da planta, com mais ou menos 20 cm de comprimento e com 5 a 7 gemas. Devido à multiplicação vegetativa, a seleção das ramas e o preparo das manivas são pontos importantes para o sucesso da plantação.
Seleção e preparo do material de plantio
A seleção e preparo do material de plantio são determinantes para um ótimo desenvolvimento da cultura da mandioca, resultando em aumento de produção com pequenos custos. Nessa fase alguns aspectos de ordem fitossanitária e agronômica devem ser considerados. Dentro do aspecto fitossanitário, vale ressaltar que o material de plantio deve estar sadio, ou seja, livre de pragas e doenças, considerando que a disseminação de patógenos é maior nas culturas propagadas vegetativamente do que nas espécies propagadas por meio de sementes sexuais. É necessário, portanto, inspeção constante do mandiocal de onde serão retiradas as ramas para plantio, para avaliar sua sanidade, devendo ser evitados mandiocais com alta ocorrência de bacteriose, broca da haste, ácaros e percevejo-de-renda, ou que sofreram granizos ou geadas.
Tabela 5. Características quantitativas, qualitativas e morfológicas de cultivares de mandioca recomendadas para a Região dos Cerrados
Tabela
5. Características quantitativas, qualitativas e
morfológicas de cultivares de mandioca recomendadas para a Região
dos Cerrados
Cultivares
Rendimento
de raiz (t/ha)
Teor
de amido (%)
Resistência
à bacteriose
Teor
de HCN
Cor
da película
Cor
da casca
Cor
da polpa
Para
mesa
IAC 24-2
(Mantiqueira)
16
26
Resistente
Baixo
Marrom
Rósea
Branca
IAC
352-6
16
25
Resistente
Baixo
Marrom
Creme
Branca
IAC
352-7 (Jaçanã)
20
28
Resistente
Baixo
Marrom
Branca
Branca
Para
indústria
IAC
12-829
30
33
Tolerante
Médio
Marrom
Branca
Branca
IAC
7-127 (Iracema)
28
32
Tolerante
Alto
Marrom
Branca
Branca
Sonora
28
32
Tolerante
Alto
Marrom
Branca
Branca
EAB 81
30
31
Tolerante
Médio
Marrom
Branca
Branca
EAB 653
28
32
Resistente
Alto
Marrom
Branca
Branca
Fonte: Embrapa Cerrados.
Outros aspectos a serem observados são os agronômicos, que, apesar de simples, resultam em aumento de produção do mandiocal, às vezes sem acréscimo ao custo de produção:
a) Escolha da cultivar
A escolha da cultivar deverá estar de acordo com o objetivo da exploração, se para alimentação humana in natura, uso industrial ou forrageiro, e a que melhor se adapte às condições da região. É sempre indicado o plantio de uma só cultivar numa mesma área, evitando-se a mistura de cultivares. Necessitando-se usar mais de uma cultivar, o plantio deverá ser feito em quadras separadas.
b) Seleção de ramas
As ramas devem estar maduras, provenientes de plantas com 10 a 14 meses de idade e do terço médio da planta, eliminando-se a parte herbácea superior, que possui poucas reservas, e a parte de baixo, muito lenhosa e com gemas geralmente inviáveis ou “cegas”. É importante verificar o teor de umidade da rama, o que pode ser comprovado se ocorrer o fluxo de látex imediatamente após o corte.
c) Conservação de ramas
A falta de coincidência entre a colheita da mandioca e os novos plantios tem sido um dos problemas na preservação de cultivares, a nível de produtor, e muitas vezes resulta na perda de material de alto valor agronômico. Quando as ramas não vão ser utilizadas para novos plantios imediatamente após a colheita, elas devem ser conservadas por algum tempo para não reduzir ou perder a viabilidade. Recomenda-se que a conservação ocorra o mais próximo possível da área a ser plantada, em local fresco, com umidade moderada, sombreado, portanto protegidas dos raios solares diretos e de ventos frios e quentes. O período de conservação deve ser o menor possível, podendo as ramas ser dispostas vertical ou horizontalmente. Na posição vertical, as ramas são preparadas cortando-se as ramificações e a maniva-mãe, tendo as suas bases enterradas cerca de 5 cm, em solo previamente afofado e que permanecerá molhado durante o período do armazenamento. Quando armazenadas na posição horizontal, as ramas devem conservar a cepa ou maniva-mãe e ser empilhadas e cobertas com capim seco ou outro material. O armazenamento também pode ser feito em silos tipo trincheira ou em leirões, em regiões onde ocorrem geadas, para proteger as manivas das baixas temperaturas. Vale ressaltar que deverá ser reservada uma área com cerca de 20% do mandiocal, como campo de multiplicação de maniva-semente, para a instalação de novos plantios, exceto em áreas com riscos de geadas.
d) Seleção e preparo das manivas
As manivas-semente devem ter 20 cm de comprimento, com pelo menos 5 a 7 gemas, e diâmetro em torno de 2,5 cm, com a medula ocupando 50% ou menos. As manivas podem ser cortadas com auxílio de um facão ou utilizando uma serra circular em motores estacionários, ou mesmo as existentes em máquinas plantadeiras, de modo que o corte forme um ângulo reto, no qual a distribuição das raízes é mais uniforme do que no corte inclinado. No caso da utilização de facão, o corte é realizado segurando a rama com uma mão, dando-lhe um golpe com o facão de um lado, girando a rama 180 graus e dando outro golpe no outro lado da rama, cortando assim a maniva; evita-se, assim, apoiar a rama em qualquer superfície, para não esmagar as gemas das manivas
e) Quantidade de manivas
A quantidade de manivas para o plantio de um hectare é de 4 m³ a 6 m³, sendo que um hectare da cultura, com 12 meses de ciclo, produz hastes para o plantio de 4 a 5 hectares. Um metro cúbico de hastes pesa aproximadamente 150 kg e pode fornecer cerca de 2.500 a 3.000 manivas com 20 cm de comprimento.
Um bom desenvolvimento da cultura da ervilha esta relacionado, entre outros fatores, as condicoes climaticas favoraveis. Por ser uma cultura adaptada a climas temperados, o seu desenvolvimento vegetativo e favorecido por temperaturas compreendidas entre entre 13 oC e 18 oC e umidade relativa entre 60% a 70%; a umidade relativa do ar nao afeta diretamente a producao, entretanto acima de 80% pode propiciar o aparecimento de doencas, como aumento da incidencia do fungo Ascochyta pisi, alem de prejudicar a qualidade dos graos.
E uma planta bem tolerante a baixas temperaturas, sendo que as sementes germinam a partir de 4 oC, embora geadas possam prejudicar seu cultivo, principalmente na fase de
florescimento e durante a formacao de vagens (Figura 11). A produtividade e prejudicada em temperaturas acima de 27 oC, podendo ainda afetar a qualidade dos graos, favorecendo a conversao dos acucares em amido.
Assim, o cultivo da ervilha adapta-se melhor na regiao Sul do pais, em regioes serranas ou de planalto e em microclimas de temperatura amenas com altitude superior a 500 m. No Planalto Central, seu cultivo e realizado durante o inverno sob condicoes de irrigacao, principalmente nas fases iniciais do seu desenvolvimento.
Vagens de ervilha com danos causados por geada.
A ervilha e considerada uma das culturas cujo desenvolvimento mais fielmente responde ao sistema de unidades termicas ou graus-dia. Nesse conceito, a taxa de desenvolvimento da planta e condicionada pela temperatura do ar no ambiente de cultivo.
Outros fatores ambientais com potencial efeito no ciclo da cultura nao sao considerados no calculo de graus-dia.
Em linhas gerais, a necessidade de graus-dia de crescimento da ervilha e na ordem dos 700 a 850 graus-dia para as cultivares precoces, 850 a 1.000 para as cultivares semiprecoces e mais do que 1.000 graus-dia para as cultivares tardias.
As características que influem na escolha da cultivares para cada tipo varietal devem estar relacionadas ao sistema de cultivo utilizado e principalmente a finalidade a que se destinam.
Assim, deve-se levar em consideração a arquitetura e o porte da planta (determinado ou indeterminado), coloracao das vagens (claras ou escuras), textura do cotyledons (lisos amilaceos ou enrugados doces) e cor do cotiledone que, com raras exceções quando utilizados na alimentação humana, sao verdes.
As cultivares utilizadas para a produção de ervilha seca possuem grãos redondos e lisos, que sao utilizados partidos ou inteiros; nesse ultimo caso, visando o enlatamento (apos reidratacao). Graos pequenos (140 g/100 a 160 g/100 graos), de tamanho uniforme e com baixa porcentagem de descoloração são os ideais para a industria.
A cultivar mais plantada no pais e a ‘Mikado’. Essa cultivar (originaria da Holanda) possui um ciclo aproximado de 110 dias e foi introduzida e avalia-da nas condições brasileiras durante vários anos pela Embrapa Hortaliças. E bastante produtiva, apresenta otima qualidade industrial (tamanho, boa reidratação e menor porcentagem de descoloramento dos grãos); e, entretanto, suscetivel ao oidio, uma das principais doenças que ocorrem em nossas condições. A Embrapa Hortaliças desenvolveu e liberou varias cultivares visando o encantamento Tais como: ‘Amelia’, ‘Dileta’, ‘Flavia’, ‘Kodama’, ‘Luiza’, ‘Maria’, ‘Marina’ e ‘Vicosa’.
Para o segmento de ervilha verde enlatada utilizam-se cultivares de granos rugosos. Visando atender este seguimento do mercado, a Embrapa Hortalicas disponibilizou ao mercado, as cultivares ‘Axe’, ‘Forro’, ‘Frevo’, ‘Pagode’ e ‘Samba’. Estas cultivares sao indicadas especialmente para a agroindustria de graos verdes enlatados ou congelados, sem a necessidade de reidratação antes de serem processadas.
A cultivar ‘Axe’ pode ainda ser utilizada na produção de ervilha verde debulhada. Outras cultivares de origem estrangeira tem sido utilizadas por algumas (poucas) empresas aqui no pais que atuam neste segmento.
Existem outras cultivares de ervilha verde que são utilizadas para a produção de ervilha debulhada, geralmente utilizada por pequenos agricultores e comercializadas em feiras.
A diferenca basica entre as cultivares de sementes lisas e rugosas e sua composição química. As semen-tes lisas (que e uma caracteristica dominante) apresentam teores mais elevados de amido e menor teor de sacarose quando comparadas com as sementes rugosas que apresentam um excesso de sacarose. Durante a maturação das sementes, ocorre inicialmente maior acumulo de açúcares e menor sintese de amido; logo em seguida, o conteúdo de açúcar cai bruscamente e o teor de amido aumenta.
Em cultivares de sementes lisas, o primeiro estagio e bem mais curto; sendo que nas sementes rugosas, o acumulo de acucar e significante. Com a redução do teor de açúcar durante a maturação, as sementes das cultivares de ervilha verde apresentam fenotipos caracterizados por enrugamento (sementes rugosas). Estas diferenças de composição química e formato das sementes podem influenciar a qualidade fisiológica e sanitária. Por exemplo, as sementes das cultivares de ervilha verde, por possuírem maior teor de açúcar, sao mais suscetíveis ao ataque de fungos durante a germinação e estabelecimento de plântulas.
No segmento de ervilha-vagem a cultivar mais utilizada no Brasil e a ‘Torta de Flor Roxa’, que apresenta porte indeterminado, com plantas entre 1,2 metros a 1,5 metros, uni florais e tegumento das sementes pigmentado e cotilédones amarelos (Figura 9). O comprimento das vagens e de 10 cm a 14 cm e a largura e de 2 cm a 3 cm. O ciclo e de aproximadamente 100 dias com inicio de colheita aos 70 dias. A maioria das cultivares e suscetível ao oídio; entretanto, a cultivar ‘MK 13’ apresenta resistencia a esta doenca. As cultivares de ervilha do tipo forrageira são indicadas para adubação verde e cobertura do solo, preferencialmente antecedendo gramineas, ou para alimentacao animal como pasto, silagem ou racao. Apresentam caracteristicas importantes para a conservacao e fertilidade do solo, sendo cultivada no inverno. Representa também opção vantajosa devido ao rápido crescimento inicial, precocidade, grande massa verde, uniformidade, redução da utilização de fertilizantes a base de nitrogênio nas culturas subsequentes e redução dos custos de produção e dos impactos ambientais. A aptidão dos grãos para a formulação de ração animal, principalmente para suinos, pode ser mais uma alternativa de utilização, por apresentar altos niveis de proteina bruta. Nesse segmento, a Embrapa Hortaliças desenvolveu em parceria com a Embrapa Trigo, a cultivar forrageira ‘BRS Sulina’ (Figura 10), indicada para adubação verde e para cobertura de solo, no inverno. ‘BRS Sulina’ apresenta um rapido crescimento inicial, precocidade e uniformidade, reduzindo assim o uso de herbicidas dessecantes em sistema de plantio direto.
Campo de produção de sementes da cultivar BRS Sulina.
A ervilha e uma leguminosa pertencente a família Fabaceae, subfamilia Faboideae (sin. Papilionoideae), a tribo Vicieae (sing. Fabeae), ao genero Pisum e a especie Pisum sativum L. O genero Pisum possui grande variabilidade genetica, presente nas variedades comerciais e nos materiais dos bancos de germoplasma. Dentro deste genero, sao relatadas sete es-pecies: P. arvense, P. elatius, P. formo-sum, P. fulvum, P. humile, P. jomardie e P. sativum. Entretanto, alguns autores reconhecem apenas duas especies, P. arvense L. (ervilha forrageira) e P. sativum L. (ervilha verde). No entanto, todos os tipos são classificados dentro da especie P. sativum, onde se incluem também as ervilhas forrageiras.
Importação de ervilha no Brasil entre os anos 2011-2015.
A ervilha e uma especie diploide (2n=2x=14), anual de inverno, herbacea e com germinacao hipogea (Figura 2). Apresenta habito de crescimento determinado ou indeterminado (Figura 3), possui hastes finas formadas por nos e entrenos. As folhas são compostas distribuídas de forma alternada, formadas por 2 a 3 pares de foliolos ovalados, de margem inteira ou sinuado-dentados na parte superior, na base das folhas dispõem-se duas estipulas arredondadas e podem ser encontradas em três formas: afila, semiafila e normal (Figura 4). Suas inflorescências estão distribuídas de forma alternada ao longo do caule, e podem ter uma ou mais brácteas, de forma e dimensões variáveis que surgem nas axilas foliares. Ate o surgimento da primeira inflorescência, o numero de nos e constante, característica utilizada para a caracterizacao de precocidade de cultivares.
Etapas da germinação de sementes de ervilha.
Campos de produção de ervilha de crescimento indeterminado (A) e determinado (B).
Tipos de folhas de ervilha: afila (A); semi-afila (B); normal (C)
A flor da ervilha e composta por cinco pétalas, sendo a maior delas denominada de estandarte. As petalas menores sao as asas, e na parte anterior da flor se encontram as duas pétalas que formam a quilha. Ja o calice verde e formado por cinco sepalas unidas, duas atras do estandarte, duas opostas as asas e uma anterior e oposta a quilha. O gineceu e constituído pelo pistilo e um ovário e o androceu e formado por dez estames. O pistilo e formado por um único carpelo e um ovário que contem duas fileiras de óvulos inseridos em duas placentas paralelas. As flores podem encontrar-se solitárias ou em grupo de 3 ou 4 e apresentam uma coloração branca ou violácea (Figura 5).
Flores de ervilha de coloração branca (A) e violacea (B).
E uma especie autogama, cleistogamica, com polinização ocorrendo aproximadamente 24 horas antes da abertura da flor (antese). A germinação do tubo polínico pode levar de 8 a 12 horas e a fertilizacao de 24 a 28 horas apos a polinizacao. Seu estigma fica receptivo ao pólen alguns dias antes da antese ate um dia apos o murchamento da flor. O polen, por sua vez, e viavel desde o momento da deiscencia das anteras. Apos o pro-cesso da fecundação, desenvolve-se o fruto que consiste em uma vagem de forma, tamanho, coloração e textura variáveis.
Suas sementes maduras sao globulares, podendo ser lisas ou rugosas, e o tegumento pode ser tanto hialino quanto colorido e seu embrião formado por dois cotilédones e um hipocótilo bem desenvolvido. Os cotilédones podem ser encontrados nas cores amarela ou verde e nas texturas lisa ou enrugada. O ciclo vegetativo da ervilha, dependendo da cultivar e das condições climáticas necessárias para o seu desenvolvimento, e de 90 a 140 dias. Em função do fotoperíodo, são estabelecidos tres distintos grupos varietais de ervilha:
Precoces – Se caracterizam pelo aparecimento das primeiras flores entre o 6o e o 9o entrenó e sao normal-mente indiferentes ao fotoperiodo.
Semi Precoces – As primeiras flores deste grupo varietal aparecem entre o 9o e o 11o entrenó e são medianamente sensíveis ao fotoperíodo.
A ervilha-vagem (também conhecida como “ervilha torta”), (Figura 6), nao apresenta pergaminho, devido a presença de dois genes com interação não alélica localizados nos cromossomos 4 e 6. O genotipo duplo-dominante (PPVV) apresenta esclerênquima nas vagens e o duplo recessivo proporciona ausencia total de fibras. As demais combinacoes (ppVV e PPvv) possuem areas irregulares de tecido esclerenquimatoso distribuido nas paredes das vagens e, por esse motivo, nao sao comestiveis.
As cultivares utilizadas para a produção de ervilha seca possuem sementes redondas e lisas, que podem ser utilizadas partidas ou inteiras, e neste caso, visando o enlatamento apos a reidratacao (Figura 7a). Ja as cultivares utilizadas para producao de graos verdes, destinados ao enlatamento possuem geralmente sementes rugosas e elevado teor de acucar (Figura 7b). No caso dos graos imaturos destinados ao congelamento, a coloração verde escura e a mais desejável.
A ervilha forrageira (P. sativum subsp. arvense) apresenta caules flexuosos, estriados, delicados, simples ou quase simples; suas folhas sao paripinadas apresentando gavinhas,
ramos, geralmente terminais; possui entre 1 - 3 pares de foliolos ovalados, mucronados, de margem inteira ou sinuado-dentados na sua parte superior.
A coloração de suas flores e um vermelho-violáceas, podendo ser encontradas solitarias ou geminadas sobre pedunculos axilares aristados; sua corola geralmente e rosa-violácea com alas violaceo-purpúreas (Figura 8).
Os frutos são vagens oblongas, que podem, de acordo com a sua forma, apresentar terminacao obtusa, curvada ou fortemente em forma de pico; apresentam sementes lisas, esfericas, ovaladas ou rugosas (cilindricas, comuns), verdes (normal, palido,amarelo), creme, marrons ou com manchas de cor castanha-purpura.
Como na maioria das dicotiledôneas, as reservas do endosperma sao direcionadas para o embriao, se acumulando nos cotiledones, sendo assim denominadas exalbuminous.
Detalhe de uma planta de ervilha forrageira.
Produção de ervilha da cultivar ‘Torta de Flor Roxa’.
A história é de extrema importância, pois, por meio dela, é possível resgatar o desenvolvimento do pensamento científico. No entanto, só é possível resgatar a história que foi registrada, seja por quem a viveu, seja por terceiros. Este capítulo é um passeio por esses registros.
A adubação verde é uma técnica muito antiga. Em toda a sua história, a revisão mais completa que se encontra é a do livro Green manuring: principles and practice1 (Pieters, 1927). Nesse livro, o segundo capítulo trata da história da adubação verde na China, na Grécia e em Roma, na Europa Medieval, na Alemanha, na Inglaterra e nas Américas, em diferentes épocas. Outro livro em que esse assunto se encontra de forma detalhada intitula-se Root nodule bacteria and leguminous plants2 (Fred et al., 1932).
A civilização chinesa foi a primeira a empregar a adubação verde visando à manutenção da fertilidade do solo. Embora não se tenham registros precisos da data em que essa prática foi iniciada, sabe-se que, na dinastia Chou (1134–247 a.C.), começaram a ser empregados, como adubos, os restos de cultura e vegetação natural dos campos cultivados. Segundo Pieters (1927), Chia Szu Hsieh, em seu livro Ts’i Min Yao Shu3, escreveu, 5 séculos antes de Cristo:
Para a adubação da terra, o “lu tou” (Phaseolus mungo, L. var. radiatus) é o melhor, e “siao tou”(P. mungo L. var.) e o gergelim estão em segundo lugar. Eles são semeados a lanço no quinto ou sexto mês e enterrados no sétimo ou oitavo mês. Seu valor como fertilizante é tão bom quanto o do excremento do bicho-da-seda ou do esterco de curral bem curtido (Hsieh citado por Pieters, 1927, p. 10).
Depois dos chineses, os gregos e os romanos empregaram largamente as leguminosas como rotação de culturas. A inscrição em latim Sator arepo tenet opera rotas, da época do Império Romano, encontrada nas ruínas de Herculano, tem o seguinte significado: “Agricultor sábio continua a executar rotações” ou “Agricultor sábio sempre faz rotação” (Bancos..., 2007a). Essa frase é considerada um palíndromo perfeito, pois pode ser lida na horizontal ou na vertical, inclusive de cima para baixo ou de baixo para cima (Figura 1), e, por isso mesmo, tem despertado a imaginação e a curiosidade de muitas pessoas (cristãos, numerólogos, escritores, mágicos, entre outros)ao longo dos tempos.
A observação dos resultados benéficos da adubação verde fez com que essa prática fosse utilizada por mais de 2 mil anos, sem explicação técnica ou científica sobre o motivo desses benefícios.
Posteriormente, alguns fatos e pessoas foram importantes para essa elucidação: primeiro, Lavoisier (1743–1794) descobriu a existência do nitrogênio no ar; depois, Pasteur (1842–1895) e Koch (1843–1910) desvendaram o mundo da microbiologia e descobriram as bactérias e parasitas.
Em seguida, Hellriegel (1831–1895) e Wilfarth (1853–1904) comprovaram que as nodosidades das raízes das leguminosas continham bactérias e que essas eram capazes de fixar nitrogênio do ar no solo em uma molécula orgânica; e, finalmente, Beijerinck (1851–1931) conseguiu isolar e cultivar esses microrganismos, demonstrando claramente sua função.
Adubação verde no Brasil
A prática da adubação verde foi introduzida nas Américas pela Inglaterra; com efeito, já no final do século 18, a adubação verde era praticada em Maryland e na Virginia (Pieters, 1927). Há relatos que, nesssa época, uma espécie vegetal, hoje reconhecida como feijão-caupi, foi utilizada como adubo verde. Segundo Pieters (1927), a primeira edição de um trabalho, denominado Farming with green manures, foi publicado em 1876, por Harlan.
Décadas de 1920 a 1940: adubação verde como benefício à fertilidade dos solos
No Brasil, os adubos verdes são conhecidos há pelo menos 100 anos. As primeiras informações técnicas sobre adubação verde foram publicadas por Gustavo Rodrigues Pereira D´Utra (Figura 2), no livro Adubos verdes: sua produção e modo de emprego (D’Utra, 1919). No texto, são descritos, de maneira clara e objetiva, os principais benefícios da adubação verde, essa milenar técnica agrícola. Nele, o autor destaca que:
Para se obter, porém, resultados satisfactorios em todos os sentidos, faz-se preciso semear plantas que estejam em relação com o clima e a natureza do terreno, que cresçam bem nos solos magros ou pobres e que tenham um systema foliáceo muito desenvolvido e rico em azoto, assim como uma vegetação rápida. Cortadas, quando preciso, e enterradas, ellas realizam estas duas vantagens ou condições sobremodo apreciáveis: reúnem nas camadas superiores os elementos mineraes dispersos nas do fundo, onde não são aproveitados pelas plantas alimentares, industriaes ou forrageiras de raízes curtas e cujo cyclo vegetativo é percorrido apenas em poucos mezes, e enriquecem a terra de princípios nutritivos, que se constituíram á custa do carbono, do oxygenio, do azoto e do vapor d´agua, todos tirados do ar. [...] A prática do emprêgo dos adubos verdes, porém, requer climas doces e humidos e terras leves,enxutas e pobres: ahi é que ella surte os melhores resultados (D´Utra, 1919, p. 6-7).
Em 1928, Theodureto de Camargo e João Herrmann publicaram a obra Contribuição para o estudo da adubação verde das terras roxas cansadas. Foi um dos primeiros indícios de que a agricultura, que, da forma como era praticada, esgotava a fertilidade do solo, precisava ser repensada e reformulada (Camargo; Herrmann, 1928).
Em 1925, o boletim Feijão de porco, escrito pelo diretor do campo de sementes de São Simão, SP, Henrique Löbbe, traçou um histórico e apresentou resultados de pesquisa com os adubos verdes: feijão-de-porco (Canavalia ensiformis) e mucunas (Mucuna aterrima). Em suas considerações finais, ele destaca:
Para alguns, parecerá que a adubação verde só traz a vantagem de fixar o azoto e fornecer materia organica ao solo. No entanto, é um facto que nas terras em que se cultivaram leguminosas a percentagem de acido phosphorico, potassa e cal soluveis é sempre mais rica do que em terrenos idênticos, em que se praticou a cultura de uma gramínea, por exemplo. [...] Ainda agora o prof. J. Aeroboc, da Escola Superior de Agricultura de Berlim, fez a descoberta de que as leguminosas “mobilisam” o acido fosforico contido em todos os solos, sob a fórma insoluvel, tornando-o solúvel e assimilável depois, pelas culturas que lhe succederem. Ora, para que melhor argumento a favor da adubação verde, sinão este: que além de suas plantas fornecerem de si próprias excelente composição para os solos, ainda elaboram e tornam aproveitável um elemento tão precioso á vida e que os demais vegetais não tem aptidão para utilizar em seu estado natural? É o adubo ao alcance do lavrador pobre e com o lucro previamente assegurado, o que não se dá com os corretivos químicos, os quaes além de dispendiosos, produzem muitas vezes resultados negativos, mesmo quando aplicados por entendidos, pois exigem uma serie de conhecimentos technicos, dependendo até, o seu exito, de que as circunstâncias do meio lhe sejam favoráveis na occasião! A adubação verde é incontestavelmente a adubação do Futuro, a que nos ha de enriquecer, por um preço irrisorio, os campos inaproveitáveis e revigorar as terras cansadas por culturas exhaustivas e continuadas! (Löbbe, 1925, p. 17-18).
Em 1932, o boletim Como obter o azoto barato para a agricultura, de Genesio Pacheco, destaca a importância do azoto (nitrogênio) para a manifestação da expressão de vida, seja ela animal, seja vegetal. Nesse contexto, ele destaca a importância das leguminosas:
Podem explicar muito bem a uberdade quase perenne de nossas terras tantas especies de leguminosas, pululando por toda a parte do nosso solo e enriquecendo-o de azoto, cada anno, com o seu trabalho constante e silencioso. É claro que nem todas ellas se prestam igualmente á cultura, visto serem muito variadas em seu talhe e ciclo vegetativo e não serem talvez portadoras de nodulos.
Preferivel, neste particular, são os feijões, vegetales de curta vida, ramagem reduzida, raizes superficiais e, ainda por cima, productivos. É o typo da leguminosa que serve aos nossos campos, cultivados entre as leiras de café, laranja e de outras plantas agrícolas de vegetação perene. Faceis De cortar e transportar, enriquecem o solo com a ramagem e com as raízes; desse modo, mesmo transportados, podem adubar outras terras e ainda deixar enriquecido o sólo onde foram cultivados (Pacheco, 1932, p. 21-22).
Notam-se, no texto, a proposição do uso dos adubos verdes em cultivo intercalar e a transferência de fertilidade (mediante o cultivo da leguminosa em área diferente) ao local de sua incorporação, ambas as soluções para viabilizar a adubação verde em culturas perenes.
Além disso, o boletim mostra resultados experimentais de soja com e sem inoculação, destacando as suas múltiplas aplicações:
Dentre os feijões que enriquecem a terra de azoto com seus nódulos bacterianos um existe, muito conhecido, destacando-se dos demais pela produtividade e, mais do que isso, pelas múltiplas aplicações que delle se fazem e para o qual há sempre mercado inesgotavel: é o feijão soja (Pacheco,
1932, p. 23-24).
Foi dito acima ser a adubação verde a mais importante applicação da soja á nossa agricultura.
Possivelmente não sobrepujará ella outras leguminosas neste particular. Tem sobre todas, porém, a vantagem de encontrarem os seus grãos colocação fácil nos mercados de toda parte, já a elles acostumados, dada a multiplicidade de usos que se lhe dão. Não se querendo plantar a soja, plantem-se feijões, amendoim ou outras leguminosas de curta vida, mas todas capazes de adubar o sólo, além de fornecerem grãos comerciáveis (Pacheco, 1932, p. 28).
No final do texto anterior, evidencia-se também a preocupação do autor em recomendar aos produtores rurais o uso de adubos verdes cujos grãos apresentem valor econômico.
Em 1933, o agrônomo Carmo Gomes Escobar escreveu:
A adubação verde é um dos métodos de melhoria do solo de importância capital e que, felizmente, tem sido bastante ventilado entre nós. Incorporar ao solo a matéria orgânica é aumentar o seu teor em húmus e, consequentemente, a sua capacidade para fornecer abundantes colheitas. Quanto mais tocarmos nesta tecla, tanto mais cumpriremos o nosso dever, certos de prestar grandes serviços a todos os lavradores que se dediquem com amor ás suas terras. O lavrador inteligente não despreza as oportunidades que se oferecem de se inteirar daqueles conhecimentos que lhes possam ser úteis e que se encontram nos conselhos do técnico (Escobar, 1933, p. 1).
Na Figura 3, veem-se as capas de algumas publicações brasileiras do início do século 20, cujos autores são D´Utra, de 1919, Camargo e Herrmann, de 1928, e Escobar, de 1933.
Em 1938, Carlos Teixeira Mendes, professor catedrático de agricultura da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), publicou o livro Adubos verdes (Figura 4), no qual discorreu sobre os experimentos realizados no Campo de Experiência, em Piracicaba, SP (Mendes, 1938).
Em seu trabalho, destaca a importância da matéria orgânica para o solo:
Enquanto apareçam alguns resultados contraditórios [...] os efeitos da materia orgânica são indiscutíveis; ella, representada aqui por uma das formas mais pobres em elementos químicos – o terriço –, elevou a produção da parcela respectiva de modo a ser comparavel à da de adubações azotadas [...]. Atente-se para o facto da maioria das nossas terras cultivadas serem permeáveis e acessíveis ao ar, serem ricas em ferro que poderá facilitar as oxidações e estarmos em clima quentes e com boas chuvas; tudo isso concorrendo para a evolução rapida e desaparecimento da materia organica, vae transformando principalmente as nossas terras roxas, cheias de vida, em terras esmaecidas, mais tenazes, menos productivas: terras cansadas, no dizer do caboclo descrente. [...] O seu corretivo mais natural será a materia organica; o vehiculo desta os adubos verdes (Mendes, 1938, p. 24-26).
O autor destacou ainda dois processos que vinham sendo realizados com grande sucesso na Fazenda Modelo, em Piracicaba, SP: o adubo verde como cultura exclusiva, isto é, ocupando todo o terreno, e o adubo verde como cultura intercalar. Há ainda um capítulo específico sobre as leguminosas como alimento para os seres humanos e outro relacionado às leguminosas como forragem.
Nas obras citadas, principalmente nas publicações do estado de São Paulo de 1919 a 1938, evidencia-se o uso da adubação verde com a compreensão do seu benefício à fertilidade do solo, pois esse era o principal problema encontrado na época. As terras tornavam-se cansadas depois de utilizadas na agricultura, como ficou claro por meio das reproduções textuais das publicações.
No ano de 1939, foi publicado o Boletim nº 26, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio do Rio Grande do Sul, o qual denotava uma compreensão mais ampla dos benefícios da adubação verde. O boletim intitulado Adubos verdes: o tremoço (Lupinus sp.) e sua aplicação no melhoramento das terras, de autoria de Outubrino Corrêa, destacava a importância da adubação verde para a lavoura rio-grandense:
Para salientarmos a grande importância da adubação verde para a lavoura riograndense, torna-se mister citarmos as suas incontestáveis vantagens, as quais afetam direta ou indiretamente a fertilidade das terras pelas modificações que operam sobre as suas propriedades físicas, químicas e biológicas (Corrêa, 1939, p. 11).
Nesse boletim, exaltam-se outras vantagens além das relacionadas à fertilidade do solo: 1º – Melhora as propriedades físicas do solo – a) Pela cobertura [...] b) Pelo enterramento [...] c) Pelas raízes [...] 2o – Melhora as propriedades químicas do solo [...] 3o – Melhora as propriedades biológicas dos solos [...] 4o – Como meio de combate às ervas ruins [...] 5o – Como cultura profilática [...] 6o – Como adubo econômico [...] 7o – Melhora as terras inclinadas [...] 8o – Fertiliza as terras “cansadas” [...] 9o – Como planta forrageira (Corrêa, 1939, p. 13-18).
Em 1947, o engenheiro-agrônomo Álvaro Ornelas de Souza escreveu o livro Recuperação das terras pela adubação verde (Souza, 1947). A obra é um verdadeiro apelo consciente ao uso da técnica de adubação verde, em contraposição ao que ele chamou de “hábito funesto do agricultor”, que:
Sorri desanimado diante da mesquinha remuneração do seu trabalho e explica simplesmente: “as terras estão cansadas”. Olha em volta, vê algumas magras capoeiras e pensa: “ali estão ainda umas terras gordas”. O machado e foice entram em ação. Remove-se a lenha. Queima-se o resto. [...] A isso teima chamar de prática. Prática não, hábito. E funesto. A êsse mau hábito, eivado de ignorância, preguiça e passividade, se deve a devastação, que cada vez mais se alastra (Souza, 1947, p. 42).
E o autor completa:
Em vez de derrubar as matas ou levar a devastação ao coração virgem do Brasil, muito mais simples e prático será reincorporar essas terras ao patrimônio agrícola, por meio da aplicação correta e inteligente da adubação verde. A terra da pátria já foi o bêrço, a vida e o túmulo de muitas gerações ancestrais, que tinham a ignorância como justificativa da destruição de ricas áreas. A geração presente não pode invocar tal atenuante, pois os segredos da fertilidade já estão quase que totalmente desvendados. Conservar essa fertilidade, deter a devastação do sólo pátrio, são um dever da geração atual, se não quiser ser julgada e condenada pela posteridade, se não quiser entregar um deserto às gerações do futuro (Souza, 1947, p. 54).
No estado de São Paulo, o pesquisador Romeu Inforzato, do IAC, realizou vários estudos com adubos verdes nas culturas do algodão e do café. Em 1947, ele publicou Estudo do sistema radicular de Tephrosia candida D.C. (Inforzato, 1947a), no qual destaca que:
Seria de grande interêsse conhecer a profundidade máxima das raízes de tefrósia, pois estas, translocando alimentos, deixam-nos em boa parte à superfície do solo. Seria de valor determinar o pêso aproximado de todo sistema radicular, pois, morta a planta, as raízes são deixadas como matéria orgânica no solo (Inforzato, 1947a, p. 49).
Figura 2. Gustavo Rodrigues Pereira D´Utra (pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas – IAC) chefiou a instituição de 1898 a 1906.
Capa do livro do professor Carlos Teixeira Mendes.
Em Nota sôbre o sistema radicular de guandu, Cajanus cajan (L.) Millsp., e a sua importância na adubação verde (Inforzato, 1947b), o pesquisador conclui:
Se bem que esta quantidade não seja desprezível, é pequena quando comparada com a matéria orgânica fornecida pelas partes aéreas [...]. Tem, porém, a seu favor, o fato de ser deixada já enterrada no solo, ser distribuída a uma maior profundidade e, pelo apodrecimento, deixar no solo um número elevadíssimo de canalículos, que, sem dúvida, muito concorrem para a melhoria da terra (Inforzato, 1947b, p. 126).
O autor publicou também Feijão guandu, Cajanus cajan (L.) Millsp. e as vantagens de seu emprego na adubação verde (Inforzato; Souza, 1947).